capítulo 2

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Eu era capaz de atravessar a cidade inteira de bicicleta só para te ver dançar, e isso diz muito sobre a minha caixa torácica.
- Matilde Campilho

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Flutuar com os pés enquanto dança é fácil para Charlotte Heisenberg. Ela sente a música, as vibrações das melodias e se sente em paz.

Serendipity, palavra criada pelo escritor inglês Horace Walpole, significa, na sua mais ignorante e simples definição, achar algo bom sem procurar por isso.

Charlotte nunca procurou o balé; foi o balé que a encontrou, como se a dança tivesse uma forma própria de descobrir aqueles destinados a ela. Crescer com uma mãe bailarina poderia ter facilitado esse encontro, mas na realidade, não foi bem assim.

O mundo do balé, por trás de sua beleza, esconde sombras terríveis. A pressão estética, a exigência profissional, tudo isso contribuía para transformar a vida de Charlotte em um campo de batalha constante. A perfeição era uma palavra que rondava sua mente, não como um ideal inatingível, mas como uma exigência diária, uma pressão incansável. Aurora insistia em que Charlotte alcançasse essa perfeição, empurrando-a a ser impecável em cada passo, a manter um sorriso mesmo quando os calos em seus pés latejavam de dor, a preservar um corpo magro como se isso fosse sinônimo de talento. Ela treinava Charlotte por mais de quinze horas diárias, como se a perfeição fosse uma equação simples de esforço multiplicado por tempo.

Mas Charlotte sabia, lá no fundo, que a perfeição era uma ilusão cruel. Ninguém, nem mesmo bailarinas renomadas como Aurora Heisenberg, podiam se gabar de serem perfeitas. O balé, com todas as suas exigências e dores, tinha sido o porto seguro de Charlotte, algo que sua mãe, com todo o seu perfeccionismo destrutivo, não conseguira corromper.

A dança era seu refúgio, o lugar onde ela se encontrava quando tudo ao seu redor parecia desmoronar. Em momentos de alegria, tristeza, ou mesmo nas crises de raiva, era o balé que a mantinha de pé, que lhe dava forças para seguir em frente. Por mais doloroso que fosse, o balé a salvava, vez após vez.

Ela não desejava se tornar uma bailarina profissional pela fama ou pelo dinheiro. O que a motivava era a sensação de estar viva, de ter esperança, de se sentir conectada com algo maior do que ela mesma cada vez que subia ao palco. Era essa paixão que a impulsionava a continuar, dia após dia, não importava o quão difícil se tornasse.

Depois de uma aula exaustiva, a Sra. Thrindel se dirige às alunas com uma voz calma, mas firme. "Ótima aula, meninas. Amanhã continuamos."

Charlotte, suada e com o rosto ainda vermelho pelo esforço, pega sua bolsa e se prepara para sair da academia. Ao colocar os fones de ouvido do seu Walkman, começa a cantarolar uma música qualquer, tentando relaxar.

Enquanto caminha em direção à saída, uma leve cutucada nas costas a fez virar-se rapidamente. É a Sra. Johnston, a diretora da academia, que a observa com um olhar avaliador.

"Oi, Charlotte!" cumprimenta a Sra. Johnston, com um sorriso.

"Oi, Sra. Johnston!" responde Charlotte, tentando controlar a respiração ainda ofegante.

"Quero conversar com você sobre a Royal Ballet Academy. Tem um minuto?"

"Claro, pode falar."

"Você é uma das melhores alunas aqui da companhia, mas eu estive revisando as datas e me deparei com uma questão." A voz da diretora tem uma seriedade que faz Charlotte prender a respiração. "Infelizmente, você não conseguirá entrar no próximo semestre. Não porque não passaria, mas por causa da sua idade. Eles vão priorizar candidatos maiores de 18 anos, e bem..."

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