Babosa

16 2 0
                                    

   Era um dia ensolarado em Verona, os pássaros cantavam, as flores desabrochavam e os empregados já corriam de um lado para o outro, atarefados demais para perceberem o jovem cavalheiro aflito. Apesar de muitos desconhecerem sua historia e, até mesmo, sentimentos, Arthur Cesarini acabava por falhar em esconder suas feições serias e devaneios intensos que insistiam em tomar-lhe a mente por completo. Sentou-se em seu lugar favorito em toda Verona, um velho banco de madeira, já um tanto apodrecida, coberto por delicadas vinhas que subiam da grama por suas patas, já enroscando-se nos limites do encosto. O jovem loiro apreciava o lugar por conter a visão da mais pura vida em meio às belas flores que ali brotavam e o delicioso cheiro do mar, que também contribuía com a constante musica do colidir de suas ondas com as rochas que descansavam logo abaixo. Além disso, ficava em uma zona escondida do mais distante jardim do palácio, o que lhe dava certa privacidade e, pode acreditar, ele precisava mais do que nunca. Olhou para um pequeno caminho, escondido entre arbustos, invisível a olhos inocentes. Mas não os dele. Sabia onde daria, sabia o que acontecera lá e o que teve que passar durante anos, absorvendo cada palavra, cada imagem daquela memória. Jamais esqueceria aquele olhar dolorido que recebera junto à esperança envolta em panos sujos do sangue de uma mãe atordoada.

— Arthur? — a voz do barão soou alto, o fazendo desviar os olhos pela primeira vez da maldita trilha — Você está aqui?

   Sinceramente? Não, ele não estava. E pensou em externar tal pensamento, contudo, optou por manter-se calado por um tempo, até conseguir anunciar sua localização com um "estou aqui" baixo e hesitante.

— Imaginei que estivesse aqui. — disse o homem, sentando-se ao seu lado — Reviver algo de novo e de novo toda vez que essa data chega, eu sei como é.

   Arthur apenas encolheu-se, logo sentindo os braços de seu tio o envolverem de forma amável.

— Escute, você não precisa passar por isso sozinho...

— Você não estava lá, tio. Você não a viu daquela forma. — a voz de Arthur soou assombrada.

— Mas eu vejo você. E vejo como se atormenta. — disse o homem.

— Se eu tivesse insistido...

— Ela teria partido da mesma forma, Arthur, entenda, nada a faria ficar. Nem a própria filha fez. — o tom de Arcádio era triste.

   No fundo, Arthur sabia disso, porém a duvida e a culpa pesavam mais. O cavalheiro tinha o dom de esconder muito bem seus pensamentos e sentimentos, podia ser para um único exatamente o que ele precisava ser, assim como contar apenas o que precisa ser dito. Claro, tinha-se exceções, como o Barão e o Imperador, seu tio e seu melhor amigo. Porém, ainda se tratava de algo que o ajudou em muitos anos de vida e que ainda assim lhe custará muito no decorrer dela.

— Vamos, temos que tomar café e arrumar muitas coisas. Há muita gente chegando, inclusive, Ethan. Recebi sua carta hoje, chegará junto à princesa Annika amanhã, na hora do baile, se seus cálculos estão certos e se não houver nenhum imprevisto. Céus, como estes dois devem estar? — perguntou o mais velho, obtendo apenas um leve sorriso de Arthur.

   Mau sabiam ambos que ali, atrás deles, escondida em meio a arbustos e flores, encontrava-se a princesa Amália, com olhinhos cheios de lágrimas, triste por, novamente, seu padrinho estar triste na véspera de seu aniversario. Era uma jovem inteligente e se preocupava muito com o jovem Cesarini, já o vira vir para aquele lugar muitas vezes, entendia que ele precisava desse tempo, mas jamais o deixou sozinho, fosse pelo tempo que fosse. Era um amor incondicional que nutriam, uma amizade linda e pura, a qual salvaria vidas um dia e seria eternizada na história.

. . .

— Sim, eu quero margaridas, margaridas em todo o salão! — dizia a rainha Claryssa.

   A antiga imperatriz era considerada uma das mais belas da linhagem Garden, com longos cabelos negros, pele escura, olhos verdes brilhantes e um sorriso gentil, era uma mulher astuta e elegante, muito sabia e bondosa também. Mãe dos gêmeos Annika e Alexander e viúva de Damian, o maior imperador que Artena teve, Claryssa também era portadora dos mais sombrios segredos que atormentavam a coroa, os quais sempre a impediam de dormir a noite, causando-lhe olheiras profundas que se disfarçavam em meio às linhas de expressão marcadas pelo tempo, o qual também lhe presenteou com alguns fios grisalhos. Estes, que foram encontrados por empregadas que a arrumavam para o café em um dia desses, a faziam sorrir. Mesmo que não fosse tão vaidosa, Claryssa sorria por um motivo especial, uma fala vinda de seu grande amor, Damian, logo após amarem-se na noite mais rigorosa do inverno arteriano.

" Sabe, és a criatura mais bela que pisou nestas terras. Tenho certeza de que, um dia, quando fores mais velha e teus cabelos brancos como a neve que cai em nosso lar, ainda serás a maior perfeição deste mundo. Pelo menos a meus olhos, pelo menos ao meu coração."

   Naquela manhã em que pode ver seu primeiro fio grisalho, Claryssa chorou em meio a um sorriso, assustando suas damas de companhia. Correu para contar para seu filho, animada, e no final daquele dia, ao por do sol, contou a Damian e pode sentir, com a brisa suave, os braços dele a envolverem com paixão. Não importa se ela o havia enterrado, ele estaria para sempre com ela.

— Assim, vossa alteza? — pergunta um rapaz em relação a um grande vaso de margaridas.

— Sim! — respondeu animada — Acha que ela vai gostar?

— Acredito que sim! — respondeu o garoto sorridente.

   Amália era uma criança muito dócil e gentil, era sempre vista conversando com os empregados de forma animada, muitas vezes até mesmo os ajudando em sua tarefa ou presenteando com alguma flor que colheu com muito cuidado de um dos jardins, sempre com um caule, para que tivessem a chance de manter-lhe viva. Assim que muitos passaram a ter suas próprias flores em seus lares, levando consigo um pedacinho do castelo. Eram maneiras comuns da família real, sempre tratando todos com muito respeito e gentileza, ao nível que tornava agradável o trabalho lá, fazendo até mesmo com que vissem o lugar como uma segunda casa, o que agradava os verdadeiros moradores. Era bom saber que estavam seguros em um lar extremamente respeitoso e carinhoso. Claro, não podia-se dizer isso da maioria dos outros nobres com quem trabalhavam.

— Rainha Claryssa, é uma honra encontra-la! — disse uma voz masculina.

   Após a morte de Damian, muitos nobres também se aposentaram, preservando com respeito à memória de trabalhar lado a lado com seu Imperador, mesmo sabendo que o herdeiro seria tão bom quanto - ou mais - optaram por também passar a vaga para seus descendentes, dando a oportunidade de Artena se renovar em uma nova e próspera era. Claryssa respeitava isso, contudo, ao ver o quão bem seu filho já se saia, resolveu aposentar-se também, assim, parando de sequer identificar os novos nobres, incluindo esse. Apenas sabia que se tratava de um jovem, talvez pouco mais velho que Alexander, de cabelos loiros escuros e olhos castanhos.

— Olá, senhor. Acho que chegou um pouco cedo, não? — perguntou risonha.

   Seu humor era algo que muitos gostavam. Sempre muito bem humorada, deixando o ar leve e agradável. Era seu jeito, seu adorável jeito.

— Talvez um pouco... — ele soltou uma risada leve e envergonhada — Mas achei que gostaria de ajuda.

   Claryssa apenas sorriu docemente para o rapaz e aceitou a ajuda. Podia não saber o seu nome, mas sentia seu coração puro. Era um dom dela, um dom que sempre se orgulhou, contudo, que teve suas falhas. E essa com certeza era uma delas.

Mar de sentimentosOnde histórias criam vida. Descubra agora