Aquilégia vermelha

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Annika não pode evitar um sorriso bobo ao findar a carta de Amália, sua sobrinha. A agradava a idéia de que, mesmo a longa distancia, o que resultou em encontros inexistentes entre elas, podia influenciar na formação da personalidade e caráter da jovem princesinha apenas com cartas.
Mais do que ninguém, Annika entendia a importância de uma figura como ela na vida de uma mulher em formação em meio a aquela sociedade afundada em costumes puritanos, classistas e superficiais que não hesitavam em condenar pessoas que se excluíssem de seu padrão idiota, tendo com um dos alvos principais elas, mulheres. Por anos, a princesa mais velha foi vista com maus olhos por muitos a sua volta por justamente não se importar com costumes considerados essenciais para alguém como ela. No auge de seus 24 anos, Annika sequer pensava em se casar, ter filhos, passar seus dias submissa a algum homem com o qual se deitaria toda a noite após um dia bordando, bebendo chá, cuidando de seus filhos e outras coisas entediantes. Não que negasse a maternidade, pelo contrário, até se pegava vez ou outra imaginando um pedacinho seu, um pedacinho de seu legado. Contudo, a vida que levava em sua liberdade marítima lhe era muito mais atrativa, apesar de estar chegando ao seu fim.

- Capitã? Soube que pediu para parar de imediato o curso para o Novo Mundo. Aconteceu algo? - Antônia, sua melhor amiga e braço direito pergunta ao adentrar sua cabine.

- Sim. Nossa viagem ao Novo Mundo será temporariamente adiada. Acerte nosso curso para Artena, por favor. - lhe respondeu com calma, se segurando para evitar uma risada ao ver o espanto da mulher.

- Voltar para Artena? Mas... Annika! Até um tempo atrás você fugia de lá como o diabo foge da cruz! - dizia a ruiva enquanto seguia sua capitã para fora da cabine.

- Eu sei, eu sei! Mas recebi uma carta esta manhã, escrita pela própria Amália. - não foi preciso muito para que a jovem Francesa compreendesse - Me convidou para seu aniversario e negou receber qualquer resposta negativa de minha parte, você acredita? - a outra gargalhou.

- Oh, eu acredito! Igualzinha a tia rebelde que veleja os sete mares enquanto incomoda sua tripulação em busca de fofoca. - respondeu Antonia com um sorriso irônico.

- Falando assim até parece que vivo a procura das historias dos outros. Para a sua informação, mocinha, eu prefiro viver minhas próprias histórias. - rebateu Annika enquanto trançava seus longos cabelos negros, uma de suas características mais marcantes.

Annika possuía longos e ondulados cabelos negros que passavam por seu quadril, o qual geralmente era trançado por suas próprias mãos delicadas e ágeis; seus olhos, de um tom dourado como ouro, hipnotizavam qualquer um, o que facilitava suas reuniões com nobres, burgueses, entre outros, um olhar e tinha exatamente o que queria. Tal característica que era escondida pelos traços delicados de seu rosto, expressões suaves com suas sobrancelhas finas junto aos sorrisos dóceis de seus lábios carnudos. Outra característica peculiar em Annika Breanne Garden era seu tom de pele escura, melanina pura, que banhava cada pedacinho e cada curva da bela herdeira de Artena. Sempre com vestes elegantes de forma simplista, uma vez que optava por se locomover melhor durante seu dia a dia, deixando os grandes e pesados vestidos para eventos importantes, como bailes e jantares. Também usava poucas jóias discretas, lhe dando um sutil ar real, assim como a pequena tiara em forma de ramos que sempre enfeitava seus cabelos e anunciava sua posição social, um objeto que lhe permitia obter respeito onde quer que fosse. Um fato lamentável para a mesma.
Já Antonia era seu completo oposto. Possuindo curtos cabelos ruivos que iam até pouco abaixo de seus ombros e olhos azuis que contrastavam com o vermelho de suas madeixas lisas, a jovem francesa tinha a pele clara, repleta de sardas, as quais eram constantemente comparadas às constelações pelos amigos mais próximos. Usava trajes muito mais simples e repudiava a maioria das jóias, ficando apenas com o medalhão da família e o anel que ganhou de presente de Annika, o qual possuía o brasão de Artena no centro, rodeado de uma delicada corrente, anunciando sua aliança e relação direta com a herdeira.

- Vamos, Anni, sabemos bem como você é. Principalmente quando está com Samy. - errada a mulher não estava, sempre que Annika e Samuel se juntavam dava um tanto de problemas a ela que gerava uma boa enxaqueca.

Samuel era um jovem inglês que juntou-se a eles no último outono, onde participaram do baile da Duquesa Murph. O jovem de cachos loiro escuros, olhos verdes brilhantes e pele bronzeada pelo tempo exposto no sol era o mais novo da tripulação, não pelo pouco tempo que adentrou, como já citado, mas pela própria idade, uma vez que possuía dezesseis anos. Era extremamente brincalhão e gentil, também muito curioso, assim como sua capitã e melhor amiga, o que os metia em situações complicadas, como da vez em que seguiram Lady McLine até seus aposentos a fim de descobrirem com quem verdadeiramente se relacionava já que seu marido nunca a acompanhava nessas "escapadas" da moça. Fora uma descoberta formidável ao ver a própria dama de companhia iniciar carícias tão íntimas. Teria continuado segredo se não tivessem sido pegos, gerando escândalo da parte de uma delas.

- Toni! O coitado sequer está aqui para defender-se! - retrucou a morena.

- Não mude de assunto! - saltou à francesa.

- Que assunto? - disse Samuel, fazendo as duas darem um pulo.

- Maluco! Não me assiste assim não! Por Deus, eu podia ter morrido! - ralhou Antônia com sua mão direita no peito, contudo, os outros dois apenas riram.

- Perdão! É que soube da mudança de rota e fiquei curioso. - conta o rapaz.

- Oh, mais um. Olhe, estou voltando para Artena, para o aniversário de Amália. - Annika explicava enquanto arrumava algumas de suas coisas.

- Oh! Então vamos mesmo para Artena! Céus, esse era um sonho a muito deixado de lado! Mas... Teoricamente, não teria de ficar e casar-se agora? - questionou o inglês, a olhando preocupado. Sabia o quão importante isso era para a jovem.

- É, eu sei, mas, olha, vai ficar tudo bem. - Annika se enrolou um pouco, continuando em seguida - Até porque, jamais me casaria com alguém se não por amor e, obviamente, se a pessoa realmente me amar, vira comigo de volta para o mar.

- Disso ninguém duvida. - ri Antônia.

- Obviamente. Bom, preparados para ir a Artena? - pergunta a princesa.

- Ainda não acredito que realmente vamos, mas estou sim! E muito animado! - Samuel da pulinhos de felicidade.

- Que Deus me ajude! - diz a francesa olhando para os céus, realmente em busca de apoio divino, o que fez os outros dois gargalharem. Sabiam que ela, de fato, precisaria.

- Avisem Ethan da mudança e preparem suas melhores vestes. Estamos indo para casa. - anunciou Annika com convicção, escondendo seus mais temidos sentimentos de seus melhores amigos.

Não que não pudesse contar ou que não se sentisse a vontade ou mesmo que não confiasse. Mas sabia, no fundo de seu subconsciente, que eles não a entenderiam, não nisso. Assim como não entenderiam as decisões que havia tomado não muito tempo atrás, das quais fugia das consequencias. Talvez, em um futuro próximo, isso viesse a tona, mas Annika, naquele momento, não se importava nem um pouco com seus erros submersos neste vasto mar. Estava voltando para casa, junto de uma nova tripulação e novos segredos que nadavam no veneno que teve de desenvolver em cada uma de suas veias.

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