3. O que a gente é?

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Foi o professor de Matemática que explicou, eu achei legal

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Foi o professor de Matemática que explicou, eu achei legal. Dentro de um mesmo infinito cabem vários outros infinitos. Tem os números naturais, tipo 1, 2, 3, que já são infinitos, mas aí você, por exemplo, resolve contar só os pares, 2, 4, 6... e já é infinito também, só que é uma parte de outro infinito. Então dentro do infinito dos números naturais tem o infinito dos números pares naturais, o infinito dos números impares e qualquer outro conjunto de infinitos que você pensar, por exemplo, o infinito dos números que começam com a letra D. Se colocar os negativos com os positivos, aí dá os números inteiros, que são infinitos também. O infinito dos negativos, o infinito dos positivos. Um monte de infinitos dentro do infinito.

Aí eu fiquei contente, achei que tinha entendido e falei então dobra. Tem um infinitão maior que todos, que fica aumentando a cada novo infinito que entra, é só acrescentar os negativos que, por exemplo, dobra. Mas o professor me olhou e falou não, todos são do mesmo tamanho. O infinito é infinito e esse é o tamanho do infinito. Qualquer um. O infinito não aumenta.

Tem um matemático alemão que falava que o infinito é um abismo.

Eu concordo. Só que eu não consigo imaginar.
Eu fico com aflição.

A gente ficou conversando sobre isso na festa, os infinitos. A Ino não gosta de ninguém da nossa idade, sempre se apaixona por homens mais velhos, agora é o professor de Matemática. Ele é velho, cabelo branco, óculos, usa uma bolsa de lona. Enfim, ele usa sandália. A gente ficou horas conversando sobre o Universo em expansão e os infinitos e pensando nos meninos. A gente podia sentir o Universo em expansão em expansão, em expansão e quantos meninos existem no Universo em expansão, mas aí eu pensei pra coisa se expandir ela tem que ter fim, e pensei e depois, depois, depois do Universo, tem o quê?

Na festa eu não conseguia parar de pensar muito e muito rápido o tempo inteiro. Me deu vontade de correr, correr no meio da sala e continuar correndo até o Himalaia. Eu queria ser corredor, meia, conjunto top de laicra. Queria correr até suar muito, costela, cintura, abdominais. Eu queria ser atleta.

Eu queria correr pro Japão ou pra um país de língua estranha, esloveno, ou mais estranha, croata, ou mais estranha, finlandês, ou mais estranha, himalaio, ou mais estranha hindi. Valáquia, Laos, Burkina Faso, Camarões, Quirguistão.

Queria sair pelo mundo em missões pra salvar o planeta, em lugares muito distantes e perigosos, lutar contra baleei ros japoneses nas águas frias do Antártico ou morar com chipanzés em uma montanha da África.

Queria estar em qualquer lugar.
Menos ali

Lembrei que um dia eu era criança e liguei para o Centro de Valorização da Vida porque queria ficar no telefone conversando com pessoas tristes, salvando elas do suicídio. A moça do telefone perguntou quantos anos eu tinha e eu disse um pouco mais do que eu tinha e ela disse que não podia que eu era muito novo, ela disse não e eu achei muito errado, eu tinha certeza de que salvaria muitas pessoas do suicídio e eu queria muito ocupar meu tempo dessa maneira, mas ela disse não, mas parabéns, eu era boa, mandou eu viver a vida, a infância, ela não entendeu nada, eu tinha visto o anúncio, eles precisavam de voluntários, e foi a última vez que eu me voluntariei.

Eu ia perguntar na festa qual é o país de lingua mais estranha, ia perguntar do Hotel Infinito, e se era mesmo verdade aquilo da visão das moscas, mas me pegaram olhando pra colher, é legal a gente ficar vendo o nosso rosto na colher, côncavo, convexo, o nariz grande, os olhos minúsculos, além das vezes que eu tinha ido ao banheiro, e todos os espelhos, mas meu rosto refletido na colher, e perguntaram:

- Tá tudo bem?

Eu estava pensando se era melhor a vida no barco ou na montanha, se existe um lugar onde falam iparaguaçu, se eu deveria treinar corrida, se dá pra correr direto até o Himalaia, se os desenhos japoneses, se a visão da mosca e se cachorros enxergam tudo em preto e branco, e eu lembrei do meu primeiro namorado, que eu nem sabia que namorava, e ele me deu um fora. O Haku ia me olhar e falar bipolar, depressão ou pânico. Um dia ele falou disritmia.

Eu queria explicar que olhava pra tentar ver como se eu fosse um estrangeiro, que seria bom se todos falassem somente armênio e se por acaso eles achavam os desenhos japoneses horrivelmente tristes, mas eu acabei falando:

- Eu não sei o que a gente é.

Eu continuo não sabendo o que a gente é.
Mas tudo bem.

Quem ama o feio
bonito lhe parece.

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