Acredito que a vida é marcada por esses pequenos momentos em que você percebe que a existência humana é completamente fútil e o resto não passa de lacunas temporais pra nos fazer esquecer por breves momentos que somos apenas um amontoado de átomos vagando por só mais um planeta que gira em volta de um sol, que é só mais um sol entre trilhões de sois em mais um universo dentre sabe lá quantos.
E desde esta manhã, quando assisti dois cinquentões comentarem sobre às inúmeras vezes que foram em festas só nas últimas semanas e reparar que a vida social deles é indiscutivelmente mais agitada que a minha, estou vivendo um desses instantes em que relembro que a existência de algumas pessoas não tem propósito algum. Que a minha existência não tem propósito algum, pra ser mais específico.
Porque ultimamente tenho me sentido repleto de insatisfação acerca de tudo e todos, mas sem nenhum motivo específico. Completamente perdido, em outras palavras. Apenas tendo como única certeza essa sensação recorrente de vazio que me fez perder o sono nas últimas noite, chorar muitas vezes de forma involuntária e agora sentar na arquibancada vazia da escola em que trabalho com uma garrafa d'água cheia de Chardonnay.
Só sei que não aguento mais nem lembrar de todas as vezes que o porteiro me disse que sou tão jovem que pareço um aluno, todas as vezes que o professor de educação física me encara com olhar de julgamento porque eu trouxe meu próprio lanche de casa ao invés de comprar a comida gordurosa da cantina dessa escola, não aguento mais o sorriso forçado da diretora nos corredores da escola e de ter que elogiar uns desenhos tenebrosos do jardim de infância - nada contra as crianças, só acho que me obrigarem a elogiar umas ofensas ao senso artístico já é sacanagem demais.
Agora eu entendo o que meu professor da faculdade quis dizer com "a vida é igual matemática: se tá fácil, tá errado e só com resiliência se compreende", estamos todos num cálculo interminável construído por um gênio embriagado e que vai nos levar a lugar nenhum. E nem tente me dizer o contrário, porque você pode sim estar numa prisão mesmo sem ter algum tipo de grade ao seu redor.
- Hoje é o pior dia da minha vida - ouço alguém resmungar não muito alto, mas o silêncio faz com que o som tome grande proporção.
Instantaneamente jogo minha atenção na direção de onde a voz está vindo e percebo a presença de um homem a poucos metros de onde estou sentado, em uma das entradas para o campo. Percebo se tratar do Book-guy (como gosto de chamá-lo), um cara que trabalha numa livraria que tem uma espécie de parceira com essa escola.
Uma vez por semana ele entrega os livros alugados que serão usados pra's aulas de literatura, teatro e as classes primárias - sim, a escola me obriga a ler livros para as crianças. Não que isso seja um problema, é claro... a menos que você esteja bebado e não consiga enxergar as letras miúdas -, mas nunca falei com ele mais do que o necessário.
Quando o cara percebe minha presença, primeiro se mostra surpreso, mas logo junta as sobrancelhas e espreme os olhos. O que me faz pensar que ele notou o quão horrível deve estar minha aparência agora, por isso tento limpar meu rosto o mais rápido possível pra tentar disfarçar.
- Dia difícil também? - ele pergunta com um tom de voz mais alto do que falou na primeira vez, para que eu escute de onde estou.
Forço um sorriso que não mostra dente algum e confirmo com um movimento de cabeça. Ele dá um gole em seja lá o que for que está no copo que carrega consigo antes de subir os degraus com certa lentidão e sentar à distância de um assento vazio ao meu lado. Assisto tudo calado, mas se esse cara inventar de querer me dar um sermão eu mato ele com minhas próprias mãos e escondo o cadáver no armário do zelador.
- O que houve? - ele pergunta, como se nos conhecêssemos a vida inteira e estivéssemos em mais uma conversa normal.
- Problemas pessoais - respondo, seguindo o embalo dele de agir naturalmente. - E você?
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something different ✰ Nosh ❖ Now United
Fanfiction❝ onde Noah, um professor do jardim de infância que vive uma vida corrida e monótona e que, portanto, não consegue dar importância nem aos pequenos bons acontecimentos do seu dia, e Josh, um cara que foi convidado para a despedida de solteiro do pró...