2. a ramificação da ramificação.

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Acordei na segunda com vontade de dormir por mais três anos seguidos, porque ficar oitos horas sem se preocupar com nada é uma das obrigações do corpo que mais me agrada. Sério. E é nisso que penso quando tomo meu banho rotineiro às cinco e cinquenta da manhã. Dez minutos depois de eu acordar e passar por aquela fase de pensar se finjo que estou doente hoje e falto no trabalho pra assistir os episódios que perdi de The Idol na HBO.

Demorei dezessete minutos no banho, contando com o tempo que levei pra pra me livrar de uns pelinhos no meu rosto e escovar os dentes. Depois coloquei a máscara facial e, durante os vinte minutos em que esperei ela secar no meu rosto, dei uma ajeitada na desgraça que estava meu cabelo e fui preparar algum lanche pra levar à escola hoje.

Encaro a mim mesmo no espelho do elevador. Hoje estou vestindo a calça cropped que comprei na Internet depois que vi a foto de alguém usando algo parecido no Pinterest (e conclui que o gasto valeria a pena), camisa casual preta sem nenhum tipo de estampa, um cardigan quase no mesmo tom azul (marinho?) da calça, e o óculos de sol retangular que é meu único escudo contra a claridade da manhã que tenta espancar meus olhos. Outfit um tanto sofisticado, eu admito - é porque, mesmo que eu já tenha desistido da semana no início dela, ninguém precisa saber disso.

Trinta e um minutos depois disso, estacionei o mesmo carro de dois anos atrás na frente da mesma grande escola e atravessei a mesma rua dos últimos quatro anos para entrar no mesmo local movimentado e adquirir o café que não tem o mesmo gosto de antes, mas que aprendi a não detestar.

Compro café pensando que segunda-feira tem uma energia caótica de 50 problemas por metro quadrado nessa escola e, quando passo pelo porteiro - que elogia minha "elegância às sete da manhã" pela milésima vez -, sinto até o próprio desânimo acariciar meu ombro e dizer que sente muito mas o universo quer que seja assim.

Fui à sala dos professores pegar alguns materiais do conteúdo que preparei pra aula do dia em questão. Porque, sim, contrariando todas as expectativas, ser professor não é só chegar na sala soltando informações no improviso, mandando todo mundo fazer qualquer coisa e esperar o tempo passar - e, mesmo se fosse, nem tem como eu mandar as crianças ler um livro enquanto eu tiro um cochilo, porque é capaz de eu acordar com o lugar em chamas.

Fui caminhando desmotivado até a mesma sala que trabalhei arduamente para conquistar alguns anos atrás, cumprimentando alunos e funcionários que me desejam um "Bom Dia" apenas pela prática da boa educação e apenas dando continuidade ao meu loop diário, quando notei algo diferente. Com olhos azuis radiantes e sorriso reconfortante.

- Eu queria mesmo falar com você - inicio a conversa.

- Espero que seja uma explicação sobre porque você não está com meu copo em mãos - ele aponta para mmim, sorrindo. O que me faz pensar que ele não está realmente (ou totalmente) irritado com o fato de eu ter esquecido o copo dele em casa.

- Na verdade, eu queria te agradecer por você ter... sabe, me ajudado naquele dia - digo meio envergonhado, sem saber exatamente o porquê. - E me desculpar por tudo ter sido apenas sobre mim, mesmo você também estando com problemas.

- Você precisava ser ouvido mais do que eu - ele toca meu ombro.

- Não precisamos comparar nossas dores pra ver quem sofre mais - afirmo. - Mas eu tô te devendo uma então, se você precisar de qualquer coisa, é só me falar.

- Eu vou lembrar disso - lança mais um de seus sorrisos milimetricamente perfeitos.

- Quanto ao seu copo, vai ter que esperar mais um pouco para recebê-lo de volta porque eu o levei para casa e esqueci completamente dele esta manhã - lhe devolvo um sorriso torto, pra amenizar o ironia de ele ter me ajudado e eu ter roubado ele em troca.

something different  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora