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Aquarela

☼ Além do Sol | Capítulo 8

Domingo:

    Maria Lúcia mexeu no cabelo, fungou o nariz diversas vezes, levantou-se e andou devagar ao redor da sala. Esperava que um de nós dissesse alguma coisa para quebrar aquele gelo, mas foi meio difícil.
    Finalmente havia descoberto o que tanto perturbava a cabeça da minha irmã, mas não imaginei algo tão surpreendente como aquilo. Nossa mãe permanecia calada, de joelhos em frente à santa. Com certeza viriam mais desavenças.
    Assim que meu pai foi embora, fiquei me perguntando se era justo ele viver feliz, mesmo após deixar tantas feridas na própria família. Estava torcendo para que tudo melhorasse a partir dali, um otimismo bem fajuto.
    Observamos a mamãe se levantar, ir até a cozinha e retirar de um armário sua garrafa de whisky. Olhava para cima tentando entender toda aquela situação, era o momento perfeito para se lamentar.

—  Onde foi que eu errei? — murmurou.

—  Mãe? — com as mãos, Lúcia tentava limpar a maquiagem borrada — Eu juro que também fui pega de surpresa, ia te contar logo.

    Ela voltou novamente para a sala, segurando sua garrafa e lhe encarando com um olhar vazio, desesperador. Continuei sentado na poltrona com Yoda dormindo em meu colo, onde roncava baixinho.
    Frente a frente, as duas pareciam não saber muito bem conduzir aquela conversa. De fato, parecia ser muito complicado, por isso nem me meti.

—  Quando?

—  Eu só estava esperando o momento certo.

—  Como isso aconteceu? — olhou brevemente para a barriga da filha — Você se descuidou?

—  Nunca... eu me protegi o máximo possível — fungou, tentando conter o choro — Mas aconteceu, mãe... eu estou me sentindo horrível.

—  É pra se sentir mesmo. Tem noção da merda que você fez, garota?

—  Por favor, não fala assim. Já me sinto culpada o suficiente, mãe.

—  Mas era só o que me faltava! — gritou, lhe encarando com muita raiva — Quer saber? Não é problema meu, eu não sou obrigada a aturar isso na minha casa!

—  O que você quis dizer com isso? — tomei coragem para interromper.

—  Você não foi mulher o suficiente para engravidar? Agora lide com as consequências sozinha, eu estou fora! — bebeu um gole do whisky — E você garoto, se não está satisfeito... a porta da frente continua sendo a serventia da casa, faça igual seu pai!

—  Isso é uma expulsão?

—  Fica quieto, Daniel! — Lúcia se exaltou.

—  Aquele miserável não deve estar muito longe. Vai! VAI ATRÁS DELE! — tentava se aproximar enquanto Lúcia lhe segurava.

—  Para com isso, pelo amor de Deus — ela não aguentou segurar por muito tempo e se debulhou em lágrimas novamente — Não tá vendo que é um momento delicado!? Você devia me apoiar! Logo você, que passou pela MESMA COISA!

—  E me arrependo ATÉ HOJE! O mesmo vai acontecer com você.

—  Não, não vai! Sabe por quê!? O pai do meu bebê é um homem incrível, que me ama e está disposto a arcar com...

—  Ah, PARA COM ISSO! — se afastou — Deixa de ser TONTA, na primeira dificuldade esse moleque vai ir embora e te deixar sozinha com uma criança, será que você NÃO ENTENDE!? Como pôde ser tão burra?