•CAPÍTULO DOIS - LIBERDADE•

14 2 5
                                    

Era por volta das nove horas da manhã quando acordei. Demorei um tempo para levantar, e enquanto isso fiquei mexendo no celular. Quando enfim tomei coragem de sair da cama, me troquei e fui ao andar debaixo a fim de procurar meus pais. Estava vestindo uma camiseta larga e uma calça igualmente larga. Meus cabelos ondulados estavam sem definição, mas pouco importava. Não estavam em casa, provavelmente saíram para procurar emprego, mas por que não fizeram isso pela internet? Seria muito mais fácil. O jeito é esperar a chegada deles.

Fui retirada de meus pensamentos quando ouvi minha barriga roncar. Fui até a cozinha procurar algo para comer e, chegando lá, vi um bilhete de meus pais.

"Bom dia, querida! Deve estar com fome, mas não há comida em casa, então fomos ao mercado. Já voltamos. Amamos você!"

Ótimo, teria que esperá-los. Um sentimento de insatisfação invadiu meu peito. Meu pai ficou aqui o dia anterior inteiro, podia ter ido comprar alguns alimentos. Nossa, mas que besteira eu estava pensando? Tentei tirar esse sentimento de dentro de mim o mais rápido possível. Não entendia o por quê de eu ter esse tipo de pensamento às vezes, porem não gostava deles, nem um pouco.

Quando enfim me acalmei, fui terminar de arrumar as coisas. Ainda haviam algumas poucas caixas na sala. Não entendi o por quê de estarem lá, já que meus pais arrumaram todas as suas coisas ontem à noite, mas quando me aproximei, já soube o motivo. Essas coisas eram de Lennon.

Não sabia que eles ainda tinham todas essas coisas guardadas. Óbvio que pensei que eles tivessem alguma coisa ou outra, mas não tudo o que pertencia à Lennon. Sabia que seria difícil para eles guardar estas coisas, então resolvi guardar e poupar o sofrimento deles. Também seria difícil para mim, mas não poderia ser pior do que eu vinha enfrentando, em outras palavras, um sofrimento a mais ou a menos não faria diferença no meu caso, eu já havia desistido de lutar contra esse sofrimento, então aprendi a viver com ele.

Fui até a rua e coloquei o skate no chão, a sensação de deja vú aumentando cada vez mais - juntamente com as vozes. Não tinha certeza se ainda me lembrava como fazia, mas resolvi ter coragem. Nos fones de ouvido estava tocando Broken, de Isak Danielson, uma música pouco conhecida porém muito boa.

Já fazia por volta de dois minutos em que eu estava no skate e ainda não havia caído. Não sabia explicar direito como estava me sentindo. Me sentia, de alguma maneira, viva, senti como se eu estivesse mais próxima de Lennon, o vazio havia desaparecido durante aquele tempo. Aos poucos as vozes aumentavam, mas elas não me assustavam, não eram do dia do acidente. Eram do dia em que Lennon me ensinou a andar de skate.

Há nove anos atrás

- Lennon, eu estou com medo. Não sei como fazer isso!

- Confie em mim, Vênus. Vai ficar tudo bem.

Enquanto Lennon tentava acalmar a irmã mais velha, a mesma começou a chorar. A garota estava com medo.

-Mas e se eu cair? - questionou a menina em meio as lágrimas.

Lennon, ao ver sua irmã chorando, ficou triste também. O garoto odiava ver outras pessoas com sentimentos negativos. Era um menino muito carinhoso.

- Não precisa sentir medo, eu estou aqui. Caso você caia, eu estou aqui para segurá-la.

"Não precisa sentir medo, eu estou aqui...". Na época em que Lennon disse-lhe isso, ele de fato estava comigo, para o que fosse. Porém agora, ele estava apenas no meu coração e em minha mente. Eu estava sozinha e não tinha ninguém que pudesse me salvar caso eu caísse.

Não queria sair de cima do objeto, mas logo meus pais chegariam, e se assistissem àquela cena, ficariam despedaçados. Voltei para a casa e mesmo sem a mínima vontade, desci do skate. Nesse momento eu decidi que iria fazer o mesmo sempre que conseguisse. Isso havia feito eu me sentir livre pela primeira vez depois de tudo, eu estava viva novamente, e nunca havia escutado vozes de lembranças felizes com meu irmão antes. Eu estava bem, mas bem de verdade, por mais incrível que parecesse.

E Cá Estamos NósOnde histórias criam vida. Descubra agora