após a aula

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Antonietta já havia feito faculdade de direito há alguns anos atrás, tinha sido uma experiência interessante. Mas agora infiltrada na faculdade de arquitetura como aluna "transferida" estava sendo insuportável. E ainda era o primeiro dia.
Saindo do prédio a lua era cheia, iluminava toda a rua sem postes de iluminação, era possível ver bem o cinturão de Orion e algumas raras nuvens que se moviam rapidamente. Ela foi a última a sair devido a problemas com a papelada, o gerente parecia desconfiado mas Antonietta era treinada para ser bem convincente.
Ela pensou em ligar a lanterna do celular até chegar no carro mas a iluminação da noite estava encantadora demais para luzes artificiais. Enquanto andava alguns morcegos passaram entre as árvores a assustando.
Antonietta ainda estava a uma boa distância quando viu uma silhueta com a lanterna do celular ligada enquanto sondava o interior do carro que ela havia alugado pra si. Dava para ver um cabelo ondulado na altura dos ombros, era difícil tentar ver muito além daquilo.
Receosa com a figura a frente ela pegou cuidadosamente a pistola da cintura e foi furtivamente por trás do carro a fim de surpreender seja lá quem fosse que estivesse ali.
- parado senão eu atiro!
Com o susto a pessoa soltou o celular que caiu no chão e ergueu as mãos pra cima, Antonietta tentou ver o rosto mas não enxergava muito pois o cabelo estava caindo na cara. Mas o corpo aparentava ser de um rapaz.
- calma eu sou aliado. - era uma voz masculina - você demorou.
- quem é você?
- eu sou Aleph, prazer.
Então esse era o Aleph que Amy havia comentado pouco mais cedo, ele era forte e sutilmente misterioso.
- Amy comentou sobre você mas achei que chegaria de uma forma menos dramática.
- dramática? Não sou eu que estou segurando uma arma.
Ela nem havia se dado conta que ainda estava em posição de ataque com a arma na mão. Envergonhada abaixou rapidamente a arma colocando novamente na cintura.
- também, você estava igual uma assombração sondando aí, ouvi boatos que aqui no Rio Grande do Sul tem muitas paradas sobrenaturais.
- não sei de acredito muito nisso mas é uma possibilidade. - ele abaixou pegar o celular do chão - Antonietta né?
- an, sim.
Era desconfortável o fato que todos a conheciam mas ela não sabia nada sobre seus colegas.
- eu tava aqui te esperando pra podermos ir pro hotel, vi que Amy foi junto com um garoto, ele é agente? Não fiquei sabendo sobre um quarto integrante.
- como ele era?
- nerdola - ele deu um riso meio tímido.
Aleph era o tipo de cara que se encaixava no estereótipo "nerdola". Calça de moletom; uma camiseta padrão com algum desenho que a luz da lua não iluminava o suficiente para identificar; e cabelos castanhos ondulados. E para completar o combo um sorriso lindo.
- acho que era o Luis, meio que fizemos amizade com um estudante daqui. Sei que não é bem o certo mas Amy acha que ele pode ser útil.
- confio na capacidade da Amy, ela pode ser meio marrenta mas é competente.
- vocês se conhecem?
- não oficialmente, apenas trocamos algumas informações sobre casos no passado, nada tão relevante.
- ah sim.
Então eles não se conheciam, Antonietta se sentia aliviada por algum motivo.
O estranho Aleph balançava a cabeça concordando consigo mesmo algo inaudível, ele era estranho mas um estranho legal.
- o que acha de irmos pro hotel? - ele perguntou passando a mão no braço - tá meio frio aqui.
Antonietta não estava com frio, haviam várias camadas desnecessárias de blusas e calças que ela havia colocado por prevenção. Ela havia lido em um site que no Rio Grande do Sul fazia muito frio, mas aparentemente ela havia se precipitado com a quantia de roupa já que estava com um pouco de calor.
- é, tá frio, vamos pro hotel - ela se balançou de um lado pra outro inquieta enquanto coçava a cabeça.
- você não sabe onde fica o hotel né - Aleph perguntou com um sorriso debochado.
- digamos que eu não sabia onde dormiria essa noite.
Os dois riram em tom nervoso. Havia algo rolando ali e Antonietta não gostou.
No caminho para o hotel não houve conversa além de coisas formais do trabalho, o que era útil já que sabia muito pouco com o que estava lidando.
No hotel não havia nenhum sinal de Amy, o hoteleiro disse que ela havia passado ali e pegado uma mochila grande e saído.
Amy era misteriosa assim como Aleph, era difícil entende-los.
Entrando no quarto os dois agentes viram suas coisas deixadas em duas camas separadas, havia mais uma cama com poucas malas encima. Devia ser de Amy.
- ela saiu uma hora dessa. - Antonietta murmurou olhando as malas da colega - aparentemente levou apenas armamento pesado.
Aleph estava parado olhando sério para o banheiro, ela não perdeu a oportunidade de tentar olhar mais atentamente o rosto do colega. Ele tinha uma pele pálida, os olhos eram claros mas ela não conseguia definir a cor em palavras.
- se eu fosse você não se preocuparia com ela.
Aleph apontou pro banheiro onde era possível ver um rastro de sangue, os dois se aproximaram com cuidado sacando as armas e abrindo a porta devagar. Não havia nada ali além de um lodo vermelho nojento e ensanguentado.
- não toque. - ela advertiu enquanto corria até as malas atrás de um recipiente e luvas - vou pegar uma amostra disso pra analisar depois.
- claro. - ele deu espaço pra ela entrar no banheiro enquanto fotografava a cena - onde eu fui me meter.
Definitivamente esse caso era o mais estranho que ela já havia visto, seria um serial killer? Ou seria algo ainda mais macabro?
- Amy esteve aqui por último, ela não viu nada? Isso aqui - falou fechando a tampa do recipiente - não é tão recente assim, quando ela chegou já estava aqui, ou ela deixou isso aqui.
- está querendo dizer que Amy pode ter feito isso?
- não sei, ela me parece suspeita o suficiente.
- acho que ela pode ter ido atrás de quem deixou isso aqui ou algo do tipo, Amy é misteriosa mas é confiável.
Antonietta realmente esperava que Aleph estivesse certo mas algo a incomodava, se sentia um pouco tonta e até enojada, nunca teve problema em ver coisas consideradas nojentas por outras pessoas. O que havia dentro do banheiro não chegava a ser assustador e muito menos exagerado. Ela já havia visto coisas bem piores.
- acho que devemos chamar reforço.
- que reforço? - ele falou rindo - você sabe que nosso reforço é Amy, certo?
- claro que sei, por isso mesmo acho que devemos chamá-la.
Antonietta não sabia. O que estava sob o conhecimento dela era o que Aleph havia contado no carro, que a faculdade de arquitetura seria apenas uma faixada para atos macabros. Nos últimos anos diversas pessoas haviam morrido ali mas por algum motivo desconhecido as autoridades não faziam nada, mas agora haviam convocado três agentes federais pra investigar a situação.
- você poderia ligar pra ela? Preciso trocar de roupa.
Naquele instante que Antonietta se deu conta que o colega ainda vestia roupas geladas. Ela analisou a camiseta dele onde era possível ver claramente o desenho de alguma banda de rock que ela não conhecia.
- claro, pode se agasalhar.
Ela procurou entre as diversas bagagens que havia trazido a pasta que continha as informações do caso. Por que ela sempre exagerava? Haviam malas o suficiente para passar meses ali sem lavar uma peça de roupa. Assim que encontrou a ficha da colega, procurou pelo número de telefone e foi tentar ligar, sem sucesso. Não tinha crédito.
- Aleph...
Assim que se virou para olhar perdeu a voz. Ele estava trocando de camiseta deixando as costas nuas e fortes a mostra.
- sim?
Disse terminando de vestir uma camiseta com estampa de caveira.
- me empresta seu celular, estou sem crédito.
Antonietta sentiu um calor subir ao rosto, e de repente já se via tirando as blusas e respirando um pouco ofegante na tentativa de se recompor. Então tomou iniciativa e foi buscar o celular que Aleph segurava estendido para ela.
Ele percebeu imediatamente o efeito que causou nela e sorriu maliciosamente enquanto entregava o objeto.
- já está desbloqueado, não vai mecher em nada hein.
- não, imagina, eu só vou ali fora ligar e já volto.
Saindo pela porta ela enrroscou o coturno na beirada de uma cômoda, quase caiu mas conseguiu se equilibrar. Evitou olhar para trás e apenas bateu a porta se encostando nela e respirando fundo.
- mantenha o profissionalismo Antonietta, profissionalismo...
Murmurou enquanto discava o número de Amy que atendeu a ligação após cinco tentativas.
- mas que inferno Aleph, não posso nem trabalhar agora? Vai lá cuidar daquela desajeitada da outra lá, como é o nome dela mesmo? Vanessa?
- Antonietta.
Amy ficou em silêncio na ligação, com certeza não esperava que a outra ligasse pelo telefone do colega.
- Antonietta claro, então querida eu tô meio ocupada agora, pode me ligar depois?
- é que encontramos uma cena macabra no banheiro do hotel, precisamos que você venha pra cá.
- tá bom.
- quando você passou aqui tinha alguma coisa?
- não que eu tenha visto. Daqui uma meia hora eu chego no hotel, deixem a cena do banheiro intacta porque quero analisar.
- ótimo, vou arrumar as camas até você chegar. Aliás onde você está?
- eu tô trabalhando, preciso desligar agora.
Assim que desligou a ligação Antonietta não pode deixar de dar uma pequena analisada no celular. Poucos aplicativos e em sua maioria padrões do sistema ou jogos. Nada interessante.
Abriu a porta do quarto novamente e se deparou com sangue por todo o chão e uma figura estranha macabra segurando Aleph pelo pescoço, ele se debatia em protesto mas a criatura era forte demais pra conseguir escapar. Paralisada Antonietta só conseguiu gritar.
A criatura estava tomando uma forma ali naquele instante, era como se as sombras estivessem tomando forma. Em poucos momentos uma metamorfose estranha fez penas pretas que se abriram mostrando o interior da figura demoníaca, eram órgãos humanos misturados com pedras preciosas que cortavam os tecidos fazendo sangue jorrar pelo chão. As garras eram compridas aparentando um pé de galinha com cerca de dez dedos vermelhos, e aqueles dedos seguravam o pescoço de Aleph que olhava desesperado para Antonietta.
Ela precisava fazer algo.
Sacou a pistola da cintura e apertou o gatilho uma vez, duas vezes, três vezes, nenhuma bala foi disparada. A arma havia travado. Então ela partiu para o ataque físico sem pensar muito nas consequências e se jogou encima da criatura com toda a força possível mas nada aconteceu. Apenas sentiu como se estivesse caindo em um abismo, não havia nada porém o medo era extremo. A sensação de queda logo foi tomada por algo bem menos medonho, sentiu alguém acariciar seu rosto e assustada Antonietta saltou encima da pessoa a frente. Era apenas Aleph e Amy que a olhavam preocupados.

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