Capítulo único - A máquina de Aldrier

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Um trem passava por cima do Mar das Ninfas. Atravessava por uma ferrovia parecida a uma ponte, com várias pilastras parcialmente submersas sustentando-a. O som da máquina passando pelos trilhos soava pelos arredores silenciosos e sua chaminé jogava nuvens de fumaça para o céu límpido.

Havia apenas um vagão de passageiros sendo puxado e nele estavam apenas duas pessoas. Uma delas era um homem de aparência jovem mas nem tanto, vestido com paletó cinza e uma calça preta. Ele tinha um ostensivo pingente de rubi em seu pescoço e anéis de prata e ouro em todos seus dedos. Seu olhar se perdia pensativo nas águas do Mar abaixo. A pessoa restante era uma mulher que permanecia de pé. Ela vestia um casaco verde de botões e tinha uma espada presa à cintura. Uma máscara de porcelana branca escondia seu rosto.

- Pare com isso, é desconfortável - Disse o homem sem desviar o olhar da janela. Estavam saindo do Mar das Ninfas e começavam a entrar nas Planícies Infindáveis, uma imensidão plana de mato. Ruínas de cidades antigas podiam ser vistas ao longe.

- O quê, senhor? - Respondeu ela com um tom de medo na voz.

- Essa tensão. Posso senti-la daqui. Relaxe, general. Sente-se e aprecie a paisagem.

- É mais apropriado que eu fique de pé, Excelência, o senhor é-

- Eu sei quem sou, general - Interrompeu - e estou lhe dando permissão para sair de sua posição. Além do mais suas pernas devem estar doendo. Vamos, sente-se - gesticulou para o assento da janela oposta à sua.

Não querendo contrariar o homem ainda mais, a general se sentou onde foi indicado.

O trem continuou andando. Eventualmente as planícies e suas ruínas foram deixadas para trás. Quanto mais avançava, mais árvores podiam ser vistas e mais elevado era o terreno. Estavam subindo uma montanha. A locomotiva parou sua subida, percorreu um pequeno trecho no topo da montanha e então desceu. Um som estridente pôde ser ouvido enquanto a máquina descia com os freios acionados. Era uma descida forte e o maquinista não queria que ficassem com uma velocidade incontrolável.

Não demorou muito para que chegassem a um terreno plano novamente e a velocidade voltasse ao normal. A paisagem havia mudado consideravelmente. A medida que avançavam viam menos árvores e percebiam um céu mais cinza. Um cheiro desagradável de fumaça começava a fazer parte do ambiente.

E então viram construções. Fábricas. Todas muito espaçosas, com muita barulheira e chaminés cuspindo muita fumaça. Vez ou outra via-se pessoas entrando e saindo delas.

O trem passou muito perto de uma, a ponto de se poder ver com detalhes os trabalhadores do lado de fora. Um grupo de pessoas sujas de fuligem estava levando feixes de lenha. Havia um jovem garoto entre eles, ele viu o homem com pingente olhando pela janela. Seus olhos se arregalaram. Ele disse algo aos outros e se curvou. Os demais olharam para o veículo passando e tiveram a mesma reação. Só levantaram suas cabeças depois que o som das rodas já estava distante. Conversaram entre si, notavelmente chocados, e depois voltaram a carregar seus feixes.

A locomotiva seguiu, saindo da área industrial. Os primeiros prédios e casas começaram a aparecer. Eram todos muito bem projetados e bonitos, mas infelizmente a luz cinzenta do mundo não os destacava. Também apareceram carros e multidões de pessoas muito mais limpas e mais bem trajadas que os trabalhadores de antes.

Já era quase noite quando máquina enfim parou. Estava no centro da cidade, em uma estação cercada de mansões. A mulher mascarada se levantou e abriu a porta para seu lorde. Após ele passar, ela gritou um agradecimento para o maquinista e saiu, fechando a porta ao passar.

Do lado de fora o mundo havia parado em questão de minutos. Os carros tinham sido largados no meio da rua e os pedestres tinham parado de andar. Todos estavam de pé com suas cabeças curvadas. Desde os velhos até as crianças, dos mais ricos até os mais modestos, todos estavam da mesma forma. A general olhou ao redor. A reação que seu mestre provocava era assustadora. Ele jamais havia levantado a mão contra aquelas pessoas, mas ela podia ver medo em cada um ali, inclusive nela própria.

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