Pouco se falava sobre a filha perdida de Heloísa Camargo, quase vinte e quatro anos desde o ocorrido, o assunto fora esquecido. Não por ela, claro. O tempo não era capaz de diminuir sua dor ou a forma como todos os sentimentos daquela noite queimavam sua pele, como se fosse recente. E era. Em sua mente revivia, todos os dias, o momento em que seu pai arrancou-lhe a filha dos braços, de forma cruel e perversa. Naquela fatídica noite, Heloísa jurou que não o perdoaria por tamanha injustiça. Sentia-se egoísta algumas vezes, nos dias em que a angústia chegava a machucar fisicamente, tirando-lhe o fôlego, por pensar que esquecer, assim como os outros, poderia acalentar seu coração.
Porém, como poderia? Como poderia ignorar a falta que fazia o corpinho da menina em seus braços? Como poderia viver em paz sabendo que uma parte de si morreu com a partida de Clara? Seria ela capaz de dar razão ao pai? "Você não é mãe, Heloísa, você sequer tem uma filha!" Esquecer a existência da criança seria como esquecer a si mesma. E de onde estivesse - e Heloísa desejava que fosse no inferno -, Afonso não teria o gosto de vê-la desistindo. E não o faria. Jamais desistiria de sua menina.
Violeta não saberia dizer quantas vezes viu a irmã segurar apreensivamente seu colar de Santa Clara, um sinal típico de que estava nervosa. Entretanto, aos olhos dela, não havia nada que pudesse estar preocupando-a, afinal, era um dia normal, como qualquer outro. Talvez esse era o problema, tudo continuava igual. Não havia Clara, nem esperança. Não havia sinal de que estava bem, feliz. Porque não estava, e duvidava que um dia estivesse.
- Está me deixando aflita, minha irmã. - o tom de voz denunciava a preocupação. - Heloísa...
Chamou-a depois de um tempo sem resposta. A paisagem parecia muito mais interessante para ela, ou estava usando-a para não ter que encarar os olhos de Violeta. O olhar carinhoso e carregado de afeto que a fazia sentir-se culpada e suja. Odiava aquelas batalhas internas, entre a culpa, a dor, as marcas e os traumas. Era possível que um dia curasse essas feridas? Talvez não foi mesmo feita para o amor. Nenhum deles. Ao menos não se sentia merecedora.
- Você está aflita? - uma risada sem humor escapou pelos lábios de Heloísa, fazendo a outra arquear a sobrancelha. - Eu me sinto assim todos os dias, Violeta.
- Heloísa, tudo seria diferente se você se permitisse...
- Se eu me permitisse? O que está querendo dizer, Violeta? - a mulher virou imediatamente em direção a irmã.
- Estou querendo dizer que você tem que viver, sair desse quarto, voltar a costurar, ou fazer outra coisa. Não pode se isolar dessa maneira, minha irmã. - Violeta respirou fundo.
Heloísa franziu a testa. Ela não estava se isolando ou deixando de costurar. Pelo contrário, havia visitado a fábrica na semana passada, ao lado de Isadora e Olívia, que apresentaram alguns tecidos para as roupas que seriam doadas em um mês. Estava vivendo, sorrindo em raros momentos, até mais do que imaginou anos atrás. Poderia fingir que estava bem todos os dias, mas não nesses dias.
- Você não pode guardar essas mágoas para sempre. Está se tornando uma mulher amarga! - Violeta sabia que era um assunto difícil, e quando percebeu, as palavras já haviam escapado.
- Violeta, ele arrancou a menina dos meus braços, sem se importar com nada, nada além de um sobrenome, de suas vontades. - Heloísa ralhou, sentindo os olhos arderem. - Me tirou o direito de cuidar da minha própria filha! Como pode defendê-lo? O Coronel Afonso... - a raiva era expressada em sua voz e na forma como apontou para Violeta. - Senhor seu pai, não era um anjo como vocês gritam aos quatro ventos.
- Nosso pai, Heloísa. Nosso pai! - Violeta exclamou, quase que em súplica pela compaixão da irmã.
- Vocês não vão colocar mais uma culpa em meu peito, Violeta. Não vão! Não me arrependo e desejo profundamente que esteja no inferno!
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marcas do passado.
Fanfiction، pelas más línguas, olívia descobre que foi adotada e que sua mãe biológica é heloísa camargo, por quem possui muito carinho e admiração. seria tudo perfeito se ela não imaginasse que, na verdade, não foi roubada, e sim abandonada. ، heloísa terá q...