capítulo dois.

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Uma semana antes.

Olívia com certeza era motivo de orgulho para os pais, que sempre fizeram questão de deixar isso claro. Possuía um senso de justiça natural que enchia os olhos de uns e as línguas de outros. Trabalhava na tecelagem desde que atingiu a idade permitida, tornou-se imagem e voz dos tecelões, que confiavam à ela suas reclamações e sugestões de melhorias para o ambiente. Não demorou até que ocupasse o lugar de supervisora, liderando e guiando os colegas.

Havia sempre um sorriso em seus lábios, repleto de simpatia e cuidado. Ainda que não soubessem, era a cópia fiel dela. Seus pais eram pessoas boas, com cárater, e disso, ela jamais duvidou. Porém, sua personalidade carregava particularidades interessantes, como a vontade incontrolável de lutar pelos direitos dos funcionários - que rendeu-lhe uma péssima imagem para Joaquim, que a considerava uma baderneira -. Quase sendo mal vista por Benê, que temia pelo que poderia acontecer com a filha. Isso a deixava intrigada.

- Então eu pensei que poderia me ajudar. - a voz de Isadora Camargo parecia distante. - Olívia?

- Sim? Me desculpe, acabei me distraindo. - sorriu tênue para a moça. - O que dizia?

- Bom, minha tia Heloísa vai costurar roupas para as doações que serão feitas próximo mês. A LBA forneceu alguns tecidos, mas também queremos um tafetá novo e minha mãe concordou com a ideia de doar um produzido pela tecelagem. - Olívia ouvia atentamente dessa vez. - Pode nos ajudar a escolher?

- Agradeço a proposta, Dorinha, mas não tenho bons olhos para isso. Não como vocês. - as duas riram de forma leve.

- Como não? Você acompanha a produção do tafetá, tenho certeza que será de grande ajuda.

A sala de Isadora era, por estrutura, como as outras, entretanto, o clima era totalmente diferente. Aliás, Olívia considerava que estar com Dorinha causava-lhe uma sensação de familiaridade aconchegante, pois compartilhavam de opiniões fortes sobre o papel das mulheres na sociedade. Não só por isso, claro, sempre se deram bem em todos os aspectos.

- Não queria me meter, mas acabei ouvindo um pouco da conversa e concordo com minha sobrinha. - o sorriso de Heloísa iluminou o cômodo e contagiou os rostos jovens.

- Estou tentando convencê-la, mas ela é difícil, tia.

- Eu adoraria, de verdade, mas preciso supervisionar os tecelões, cuidar dos teares...

- Eles podem passar algumas horas sob a supervisão de Joaquim, quanto a isso não se preocupe. - Isadora garantiu, cortando-a.

- Olívia, queremos uma terceira opinião, e a sua é ideal. - Heloísa se aproximou da moça. - Isso não vai te prejudicar, fique tranquila.

- Dona Heloísa... - o olhar da mulher caiu sobre ela. - Heloísa! Vocês não vão desistir, não é?

Em resposta, tia e sobrinha negaram, cúmplices e sorridentes. Olívia suspirou e ergueu os braços em rendição, provocando gargalhadas sinceras.

- Tudo bem, vamos lá!

Dorinha exclamou animada. As três embarcaram em um momento de bagunça criativa, espalharam com cuidado alguns rolos de tafetá, sentindo a textura e imaginando como eles poderiam ser utilizados. Heloísa explicava alguns detalhes sobre a costura para Olívia, tendo toda a atenção da jovem.

- Parece um pouco complicado, mas obrigada pela paciência, dona Heloísa.

- Já disse que dispenso as formalidades, minha querida, apenas Heloísa. - Olívia assentiu, mesmo sabendo que era difícil mudar o tratamento com ela.

O assunto continuou enquanto caminhavam entre os rolos de tecidos. Dorinha passou a observá-las, sem saber bem o porquê da cena ter lhe chamado atenção, mas sabia que a tia e a amiga tinham uma boa relação. Olívia podia jurar que nunca viu alguém falar sobre algo com tanto afeto, ainda que Heloísa deixasse bem claro que fazia tudo porque lhe agradava e não queria que as pessoas a considerassem uma mulher santa, como há muito tempo disse ao falecido Padre Romeu.

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