capítulo três.

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Afonso Camargo fez de tudo para esconder a gravidez de Heloísa, exigindo todos os dias o nome do homem que a fez mal. Foram nove meses praticamente trancada na fazenda, saindo apenas para caminhar pelos arredores do casarão. Sua irmã foi embora poucos dias após a descoberta, alegando que iria apenas por Elisa, pois Matias precisava trabalhar e não podia deixar a menina sozinha. Ainda assim, falava com Heloísa sempre que podia. Violeta pediu a Manuela que cuidasse da irmã, acompanhando-a em cada momento, dos enjoos ao parto. Claro que não negou, daria toda assistência que sua menina precisasse.

Violeta voltou para a fazenda um mês antes do parto de Heloísa. Passavam horas e horas envolvidas em uma bolha de planos, em um mundo só delas, um mundo que tudo era possível. A mais velha respeitou a decisão da irmã e não questionou sobre o pai da criança, o que não passou despercebido. Heloísa agradeceu mentalmente pelo cuidado com o assunto e tentou não pensar em Matias, ou em suas ameaças cruéis. Nunca iria revelar que aquele homem, seu próprio cunhado, se aproveitou de sua inocência e a iludiu com falsas promessas.

Segurar Clarinha nos braços foi como segurar o mundo inteiro. A emoção foi tamanha que transbordou pelos olhos; mas não em lágrimas sofridas, eram lágrimas de amor. Um amor tão puro e genuíno que, de repente, deu sentido a tudo. Heloísa estava inundada pela felicidade e pela respiração calma da filha, que adormeceu em seu colo assim que se acalmou. Aqueles minutos de afeto a fizeram sonhar com uma vida inteira, com um futuro, com sua pequena. Foram eles os melhores de sua vida. E infelizmente, os únicos.

Foi impossível não notar a chegada de Afonso, que dava todos os sinais de que tomou uma carraspana. Totalmente alterado, exigiu mais uma vez que Heloísa entregasse o culpado por aquela situação, ou ele iria levar embora a criança. O medo era uma companhia perigosa, não a deixava pensar direito. Em nenhuma das opções que lhe deram havia o futuro que imaginou com Violeta, ou nos minutos que tinha seu mundo nos braços.

Mas o coronel não esperou que pudesse decidir. Ela tampouco conseguia. Simplesmente arrancou a neta dos braços da mãe, afirmando que jamais a veria novamente. Heloísa sentiu o chão se abrir sob seus pés, sendo atingida por uma dor que, até aquele dia, não tinha conhecimento. As lágrimas, os gritos e súplicas foram indiferentes para o pai, não o atingiu, não o fez mudar de ideia. Afonso deixou o quarto com Clarinha e sumiu em meio a noite escura.

Ela jurou com toda a alma que não o perdoaria e fez daquele abismo sua morada, abraçando toda a angústia e sofrimento que a ausência de sua filha causaria.

Perdida naquele mar de sentimentos, Heloísa estava alheia à chegada de Violeta que, sem pedir permissão ou aviso prévio, deitou ao seu lado, envolvendo-a em um abraço. Um abraço que fez a Camargo mais nova se deixar levar pelas lágrimas.

- Me perdoe, minha irmã, eu acabei... - Violeta começou. - Eu esqueci.

Heloísa não julgava, afinal, todos esqueceram.

- Me parte o coração te ver assim, sabia? - acariciou os cabelos bagunçados da irmã. - Você não merecia o que o papai fez. As palavras e o querer hoje não te ajudam, não vão diminuir a sua dor. Eu sei...

Violeta se aconchegou, puxando Heloísa para deitar em seu peito. Continuou com o carinho nas madeixas castanhas, sentindo as lágrimas dela molharem sua roupa.

- Mas eu queria ter ajudado, minha irmã. Só Deus sabe a angústia que senti quando te vi de joelhos em seu quarto, sozinha, machucada, ignorada pelo nosso próprio pai.

As duas tinham os olhos fechados, ambas compartilhando um pouco do que sentiam, em gestos e palavras, em um momento delas.

- Sei que muitas vezes eu acabei julgando a sua forma de lidar com tudo isso, que fui dura. - Heloísa apertou o sapatinho entre os dedos, ouvindo atentamente. - Mas faz anos que entendo um pouco do seu vazio... perder um filho é perder uma parte de nós.

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