As Cartas

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Como um grande fã de obras românticas, sempre sonhei viver um romance como dos livros e filmes. Eu costumava fantasiar sobre ser um dos personagens vivendo um grande amor que transforma vidas, muda formas de pensar e de agir, porém eu acabava ficando triste assim que minha mente voltava para o mundo real.

Nunca cheguei nem perto de entrar em um relacionamento amoroso, mas não era como se alguma vez eu tivesse tentado estar em um. Eu não era muito sociável, não saía para festas, não falava e nem conhecia muitas pessoas, não era o modelo de protagonista que a maioria dos autores escolheriam para sua história, mesmo podendo citar diversas obras com esse mesmo enredo.

Por mais que eu quisesse viver meu romance clichê da adolescência, eu sabia que aquilo seria impossível na minha realidade. Ser um adolescente gay em um colégio interno sul-coreano só para meninos era quase que uma piada de mal gosto. Eu estava rodeado de garotos e hormônios à flor da pele, seria quase um cenário perfeito para o início da minha vida amorosa, se a realidade não fosse mais complicada que uma obra romântica.

Nem sempre foi fácil lidar com o fato de ser um dos poucos homossexuais assumidos no colégio. Tive que encarar muitas situações embaraçosas, tristes e traumatizantes das quais prefiro esquecer e me distrair com minhas fantasias, que tendem a romantizar pequenas situações insignificantes.

Por ter uma mente muito criativa e sentimentos muito intensos, escrevo e desenho para lidar com minhas emoções. Gosto de criar personagens originais, mas também já escrevi sobre pessoas reais. Era minha forma de entender o que sentia, então escrevi cartas para todos os garotos que já amei, foram seis no total.

Aquilo foi mais uma conversa sincera comigo mesmo do que uma confissão, por isso nunca pensei em enviá-las, nenhuma carta antes tinha sido lida pelo destinatário, até aquele momento.

— Promete que não vai rir? — pergunto, ainda indeciso sobre mostrar ou não o conteúdo da carta para Sunoo, meu colega de quarto.

— Isso não é justo! Você sabe que eu dou risada de qualquer coisa. — ele responde, tentando pegar o papel da minha mão. — Ainda mais algo assim. — diz quando finalmente tem a carta em mãos.

— Ei! — o repreendo, porém não fico realmente bravo.

Não me importei que Sunoo estava prestes a ler algo que já foi tão pessoal e secreto. Tínhamos uma amizade forte o suficiente para que algo desse tipo não interferisse em nada. Eram águas passadas e, além do mais, do pouco que eu lembrava, sabia que não haveria nada extravagante.

Querido Kim Sunwoo,

Eu não sei se eu desejo ser como você ou se desejo ter você. Seja como for, você tem uma grande influência na minha vida agora. Você é único. Tem mais coragem em você do que em qualquer um desse colégio, estou incluso nisso. Você tem personalidade, marca presença em todos os lugares que vai, é o protagonista da sua história e talvez seja o da minha também.

Graças a você, eu tenho tentado me aceitar mais e me preocupar menos com a opinião dos outros. É difícil, mas estou me esforçando. Faço isso porque sei que de alguma forma você ficaria orgulhoso de mim. Somos um dos poucos garotos gays assumidos nesse colégio e eu, infelizmente, ainda ajo como se isso fosse vergonhoso.

Sei que você me olha com pena, sei que fala comigo porque acredita poder me ajudar, sei que você age por empatia e não por gostar realmente de mim, porém fico feliz que pelo menos algo em você pense em mim.

Talvez algum dia você me veja com outros olhos, por isso tentarei fazer com que você enxergue além do garoto gay com problemas de autoconfiança e, quem sabe assim, possamos funcionar perfeitamente como uma boa dupla.

Com amor,

Yang Jungwon.

Eu escrevi aquela carta no meu primeiro ano no colégio, como a maioria das outras. Sunoo tinha sido um dos primeiros garotos a tentar se aproximar de mim. Desde então, acabamos virando amigos e me dei conta de que talvez eu não estivesse realmente apaixonado por ele, apenas o admirava.

Sunoo adorava ser notado, amado, idolatrado. Eu fui esse tipo de admirador, sempre estive presente para que ele pudesse falar de qualquer coisa, eu prestava atenção em cada detalhe das histórias sobre suas aventuras, como se eu pudesse vivê-las através dele.

— Tem outras. — Sunoo observa.

Realmente ainda tinha algumas cartas na caixa azul que eu mantive em mãos, mas eu não queria que ele lesse.

— Não são para você. — respondo, fechando a caixa. Não deixaria que os outros nomes fossem lidos.

— Quantas outras você escreveu e para quem?

— Cinco cartas para cinco garotos diferentes.

— Você vai entregá-las para eles também?

— Não.

Uma coisa era mostrar para Sunoo, que raramente levava as coisas a sério e era alguém com quem eu tinha um bom relacionamento e intimidade, outra coisa era mostrar para os outros cinco destinatários.

— Tenho certeza que todos eles gostariam de receber uma carta como a minha. Quem sabe você não conquista um deles. — Sunoo diz com um sorriso pretensioso no rosto.

— Nem todos garotos são gays, Sunoo.

— Nem todos garotos são héteros, Jungwon.

Aquelas palavras se prenderam em minha mente por mais tempo que o necessário, tendo o efeito que certamente Sunoo esperava que tivessem. Talvez fosse verdade, se eu não fosse tão covarde, eu poderia tentar começar um romance em minha vida, aquele seria o primeiro passo.

E então me dou conta de que escrevi a última carta há quase três meses, eram antigas, eu mal podia lembrar do conteúdo delas, muito menos do sentimento que tive por aqueles garotos.

Tento apagar a pequena faísca de esperança que Sunoo acendeu e guardo a caixa com as cartas de volta ao guarda-roupas, sem imaginar que ele me observava naquele exato momento, já com seu plano em mente.

To All The Boys I've Loved Before - JaywonOnde histórias criam vida. Descubra agora