Contos Segredo de Sangue

Capítulo único

Daniel Barbosa Villar sempre gostou de estudar e de melhorar seu currículo acadêmico. Por isso, o mestrado na Alemanha na área de Engenharia foi uma oportunidade de ouro para ampliar seu currículo, aprofundar sua compreensão de alemão, e construir uma carreira bem-sucedida como professor universitário na UBaES.

O doutorado também foi na Alemanha; mas ele não ficava o tempo todo no país europeu. Daniel fazia longas viagens (já que não tinha ponte aérea Salvador-Berlim) a fim de acompanhar os primeiros grandes eventos de sua família: o batizado de Vanessa, o nascimento de sua sobrinha Flora, a passagem de bastão do comando do conglomerado, de Gustavo para Heitor.

Depois de quase cinco anos entre Brasil e Alemanha (ele conseguiu completar o doutorado em três anos, o que não era comum, mas havia a possibilidade), Daniel finalmente se assentou na Bahia, lecionando Teoria de Estruturas 1 e 2 e acompanhando a rotina da família, em especial seu irmão gêmeo.

- Inferno, eu odeio esses diretores querendo atrapalhar o progresso das unidades da Baê no interior! Malditos velhos elitistas da disgraça, se dependesse de mim teria comprado o resto das ações e mandava todo mundo pra porra!

- Calma, irmão, você vai abrir um buraco no chão do escritório de tanto andar de um lado pro outro!

Heitor, impaciente e inquieto como sempre, permaneceu dando voltas pela sala, desfazendo até mesmo o nó da gravata. Sua irritação chegaria ao ápice se não aparecesse uma terceira pessoa no local, logo após bater ligeiramente a porta.

Uma jovem entrou na sala, pouco mais nova que a dupla, segurando uma bandeja com café e uma jarra de algo que Daniel inferiu ser chá.

Ele reconheceu na hora a moça, muito discreta e tranquila com o conjunto de terninho e saia lápis na cor bege, por dentro uma camisa de botões em tom salmão, na mesma cor do scarpin que tornava sua presença elegante. Os cabelos crespos estavam em um coque alto, deixando-a um pouco mais alta que sua altura habitual; porém ainda mais baixa que os dois irmãos.

Sua aparição calma indicava retidão e muito profissionalismo.

- Sr. Heitor, eu trouxe o seu chá. Trouxe também o café para Sr. Daniel.

- Obrigado, Nicole. Deixe tudo aí e depois pegue tudo o que está na minha agenda e descubra um horário que eu não precise conversar com ninguém para poder respirar fundo. Depois você vem aqui, revemos a agenda e grave na mente para que eu não precise gravar.

- Desculpa, senhor, mas... Eu não posso gravar tudo isso.

- Você conhece o meu sabor de chá favorito, lembrar os meus horários é o de menos.

- Desculpa novamente, mas o sabor de um chá é completamente diferente de horários de reuniões que vão das oito da manhã até às seis da tarde.

- Semânticas, Nicole. Olhe minha agenda agora. Não, desculpe, por favor, olhe minha agenda. Ah, e outra coisa, quando encontrar um horário livre, venha e, sei lá, traga um caderno. Preciso relaxar, vamos jogar stop.

- Tudo bem, Sr. Heitor, mas lembrando que tomate é fruta.

- Você colocou que "tomate" não era fruta, Heitor? – Daniel estava em choque.

- Cometi um erro, você e Nicole vão me crucificar agora?

A assistente disfarçou um sorriso, mas o engenheiro gargalhou.

- Sei que sou engraçado, Nicole, mas além disso, peça aquele combo de hambúrguer que eu gosto e o outro de frango.

- Dois? Mas o senhor-

- Um é o seu, Nicole. Você só come hambúrguer de frango. Pode ir, e não se esqueça de olhar minha agenda!

A jovem pediu licença e saiu pela sala, fechando a porta, para a surpresa de Daniel que percebia o nervosismo voltando ao irmão.