Violeta Camargo começava a se arrepender amargamente pela escolha de juntar-se à Eugênio Barbosa em sociedade que fizera há anos. Era um homem extremamente machista; tinha preceitos e ideias totalmente diferentes das dela e ela se recusava a aceitar. Estava sendo difícil conviver com ele. Às vezes, reclamava da petulância de seu sócio para sua irmã, Heloísa, e tudo que ela lhe dizia era “ruim com ele, pior sem ele”. Mas Violeta comemorava cada dia que não era submetida a ficar mais de meia hora com ele no mesmo ambiente, como então tudo poderia ser pior sem ele?
Eugênio Barbosa estava pelas tampas com Violeta Camargo. Ao conhecê-la com o nariz arrebitado e os cabelos molhados sempre com algo na ponta da língua, ele constatou que a mulher era osso duro de roer – só não imaginava que fosse tanto! Não existia um dia em que ele não se irritasse com ela; mesmo até quando queria estender uma espécie de bandeira branca.
O que ninguém sabia era que, apesar de tudo, a primogênita do Coronel Afonso havia conseguido conquistar um lugar no coração de Eugênio, talvez o homem transmitisse tanta raiva na intenção de camuflar o que ele verdadeiramente queria demonstrar para ela. Era muito mais fácil fingir que odiá-la, do que amá-la. Violeta nunca o deu abertura para tal, principalmente depois da internação de Matias, seu marido, que foi acometido de esquizofrenia após a morte de Elisa.
De certa forma, gostavam de discutir um com o outro. Por mais que ambos comemorassem quando o outro estava ausente, sentiam falta daquilo. Era chato – demais – não ter com quem implicar.
—Violeta! - ele entrou na sala da sócia batendo os pés. Tinha uma voz firme e estava bastante nervoso. —O que você fez?
—O que foi isso? - ela levou a mão ao peito pelo susto, mas se levantou para mostrar que não estava intimidada pelo tom de voz dele. —Sabe isso aqui? - ela foi até a porta, e a apontou. —Se chama porta. Quando você vai até a sala de outra pessoa, o mínimo que você deve ser é educado para bater nela, e só assim entrar. Isso se você for convidado para.
—Não precisa me dar aulas sobre como usar uma porta, eu já sei. - falou sem olhar para ela. —Só uso minha educação com quem merece a minha educação.
—Educação é o mínimo que um ser humano deve ter. O que você é? - arqueou as sobrancelhas. —Um animal, mesmo. Aliás, os animais tem mais educação que você. Deveria ter aulas com o Danado. - se referiu ao cachorro de sua filha Dorinha.
—Você é uma chata de galocha, Violeta. - revirou os olhos. —Por falar em sua filha, quem lhe deu a permissão para contratar ela?
—Permissão? - ela riu de forma bastante sarcástica, que o irritou profundamente. —E desde quando eu preciso de sua benção para contratar a minha filha? - deu ênfase na palavra.
—Desde que eu sou o dono dessa...
—Você sozinho uma pinóia! - o interrompeu antes que ele completasse a frase. —Nós somos sócios. Ambos somos donos dessa Tecelagem e, aliás, devo lembrar que ela é mais minha por direito. Afinal, essas terras deveriam ser apenas minhas.
—Não são mais. A partir do momento que você quis entrar em sociedade comigo, são minhas também. - piscou para ela, que revirou os olhos em seguida.
—Eu quero é prova de que em algum momento eu tive alternativa de querer ou não ser sua sócia. - colocou uma das mãos na cintura. —Nunca! Fui obrigada à isso!
—Que eu saiba, ninguém apontou uma carabina na sua cara e te obrigou a se juntar em sociedade comigo. - franziu o cenho.
—Realmente, quem fugiu da minha casa com medo de levar tiro de carabina foi você. - sorriu presunçosa. Ele ficou a encarando como se pensasse em algo para retrucar. —Se você veio até a minha sala apenas para falar da Dorinha, fiau. Gostaria de passar o resto do meu dia em paz, sem ouvir o som da sua voz irritante. - fez uma careta como se estivesse enojada.
—Acha que eu queria ter que conversar com você hoje? - espelhou o semblante dela. —Eu vim tirar satisfação, Violeta! Não tem condição nenhuma de Isadora trabalhar aqui. Ela é uma menina. Mal acabou de sair da escola. Deveria estar preocupada com outras coisas.
—Preocupada com o quê? - seu rosto agora tinha uma expressão de riso, com muito deboche. —Ah! Você é desses homens que pensam que mulher deve estar em casa, se preocupando com o casamento, fazendo faxina, limpando, cozinhando...
—E estou errado? - franziu o cenho.
—Claro! É claro que está! - ela se controlava para não dar a volta naquela mesa e jogar o homem no chão. —Não está me vendo aqui? Trabalhando com você?
—Trabalhando, Violeta? Você só dá maus passos! - ela saiu de trás da mesa, e começou a andar até ele.
—Maus passos? - arqueou uma das sobrancelhas. —Me cite um passo errado que eu dei até hoje, Eugênio! - levantou o dedo indicador praticamente na cara dele.
—Ah, com prazer. - ele sorriu. —Agora mesmo você está dando um. Isadora não pode vir trabalhar na fábrica.
—Por que? Só porque você é um machista quadrado? - usou um tom ainda mais furioso. —Isadora vem sim! Vá para o diabo com o seu machismo. Quadrúpede.
—Vai me ofender de graça, assim? - ele levantou as sobrancelhas.
—Quer me pagar para que eu te ofenda? É ainda melhor para mim. - endureceu o rosto. —Fiau da minha sala. Amanhã Isadora começa aqui na fábrica. Já está decidido e você não vai passar por cima da minha palavra. O assunto morre aqui.
—Se eu fosse você, eu me colocaria no meu lugar e deixaria esse tipo de decisão para o homem da Tecelagem. - ele disse.
—Se eu fosse você, eu olharia ao meu redor para constatar o óbvio. As mulheres são melhores que você em tudo; até quando não se esforçam. - ela entrou no jogo.
—Se eu fosse você, eu pararia de querer defender o sexo frágil e de me doer por coisas que são tão óbvias. - retrucou.
—Se eu fosse você, eu voltaria ao jardim de infância para estudar todos os anos necessários e entender o quanto o tal “sexo frágil” é fundamental para a história, e tem muita força.
—Se eu fosse você, não estaria aqui.
—Se eu fosse você, sairia da minha sala! - apontou o lugar, o fazendo lembrar que ele tinha ido até ela em seu escritório.
—Se eu fosse você, deixaria de ser essa chata de galocha, intrometida!
—Se eu fosse você, deixaria de ser esse porco machista, cabeça de bagre!
—Se eu fosse você... - os dois disseram ao mesmo tempo, e foi naquele exato momento que um raio cortou o céu e um trovão fez barulho. Anunciando que uma chuva viria.
—Saia daqui! - a respiração dela ficou ofegante. Não, não por eles estarem tão perto, não por terem acabado de dizer a mesma coisa. Era apenas pelo barulho do trovão; finjam que acreditam em mim.
—Está tudo bem? - ela franziu o cenho quando ele perguntou e até o próprio pareceu ter questionado sem pensar. Saiu dali em seguida, sem dizer mais nada. Provavelmente, ele se preocupou por lembrar de um momento onde, durante uma tempestade, ela se assustou com o barulho de um trovão e segurou nos braços dele. Ele tinha essa ocasião guardada em sua memória até hoje.
Os dois ficaram sozinhos em suas salas, e pelos sinais da chuva que estava por vir, resolveram encerrar mais cedo o expediente tanto deles como o dos funcionários. Sem mais se falar, foram para as suas casas.
Violeta e Eugênio não tiveram uma noite fácil. Não que não estivessem dormindo, mas passaram a madrugada toda se contorcendo na cama. Violeta se contorcia, mas era controladamente, como se seu subconsciente a avisasse. Já Eugênio parecia uma lagartixa eletrocutada, certamente derrubaria alguém de sua cama – o chutando para muito longe. Reza a lenda que tinha um cinto na cama de Eugênio, mas ele chutou e está voando até hoje.
A tempestade continuou, os raios no céu pareciam estar mais fortes e aquela descarga elétrica provocou algo jamais visto não só em Campos dos Goytacazes como em todo o resto do mundo. O que seria aquilo?
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N.A
oiiii, eu disse que não ia postar essa aqui, mas teve gente que pediu, então veio aí! beijossss 💗
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Se Eu Fosse Você
FanfictionQuando uma tempestade na cidade de Campos interfere em algo que ninguém jamais pensou que pudesse interferir, e faz uma troca de corpos entre duas pessoas que se odeiam. Será mesmo que se odeiam?