Confissões

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Albedo saiu do banho ainda antes que Aether chegasse no dormitório. Ainda teve tempo de dar uma arrumadinha nas coisas, mas logo ele estava batendo à porta e o alquimista a abria dando espaço para que o loiro entrasse. Não se lembrava de ter estado tão nervoso assim em algum momento de sua vida, mas tentou manter a calma e encarar tudo de uma forma madura.

-Você disse que eu não precisava trazer nada, mas eu não resisti. Passei num mercadinho e comprei algumas coisas no caminho. Vou guardar as bebidas no seu frigobar. -O loiro de cabelos longos já foi logo tirando a mochila dos ombros e pegando as bebidas que tinha comprado para colocar pra gelar. Tirou também alguns pacotes de doces e salgadinhos colocando-os sobre a mesa de Albedo.

O alquimista ainda estava pensando em como abordar aquele assunto que o estava matando por dentro sem que acabasse estragando tudo. Agora que estava cara-a-cara com o perigo, a hesitação o estava dominando, corroendo.

-Você está bem, bebê? -Aether se aproximou e acariciou o rosto do alquimista gentilmente. -Está com uma expressão complicada. Tem algo que eu possa fazer pra te ajudar?

-Hm, na verdade estou um pouco incomodado com umas coisas. Eu sei que é provavelmente tudo besteira e paranóia, mas eu queria ver você. -Albedo mordeu o lábio inferior e desviou o olhar um tanto quanto sem graça. Não queria perder o que quer que fosse aquilo que estava vivendo com Aether, mas precisava saber qual era a origem daqueles rumores.

-Vem, vamos conversar um pouco. Me conta suas paranoias. -Aether puxou Albedo para se sentar junto com ele no sofá, puxando-o para seus braços para ficarem aninhadinhos um ao outro.

-Eu tenho medo de acabar te magoando, Aether. A fonte das minhas paranóias não é algo do que me orgulho de ter ouvido, na verdade eu não queria ouvir sobre isso, mas acabei ouvindo e... Ah, a mente vazia é a oficina do diabo, já dizia o ditado. -Albedo suspirou um tanto quanto triste. Tinha medo de que Aether poderia se ofender e nunca mais querer olhar em sua cara.

-Nada que te deixe com essa cara poderia me ofender. Se tem algo te incomodando, então deve falar o quanto antes. Se pudermos resolver, eu te ajudo com isso. Só quero que você fique bem. -As palavras eram firmes, mas ele já conseguia imaginar o que estava deixando Albedo ansioso daquele jeito, só precisava confirmar.

-Eu... Ouvi uns rumores. -Albedo disse quase num suspiro, já esperando que Aether fosse ficar ofendido se soubesse algo a respeito, mas a reação do loiro de cabelos longos foi um suspiro e um sorriso sem graça, um pouco triste.

-Alguém já correu pra te avisar que eu sou uma puta, né? Hum, eles adoram fazer isso... -Aether mordeu o lábio inferior e soltou Albedo do abraço, encolhendo-se sobre si mesmo.

-Não... Quer dizer... Sim. É mais ou menos o que falaram, mas não significa que eu acho isso. Eu só queria ouvir de você o que foi que aconteceu pra que as pessoas falassem isso sobre você, porque... eu não acho justo as pessoas te julgarem sem motivo aparente. Você é um cara legal, bonito, simpático...

-Só não sou o cara certo. -Aether suspirou e afirmou com a cabeça evitando olhar diretamente para Albedo. -Eu já ouvi isso antes, Albedo. Mas fico feliz que você pelo menos queira ouvir o meu lado da história. Meu último namorado só me comeu e depois disse que nunca mais queria olhar na minha cara. Pelo menos você é mais gentil.

-Eu não disse nada disso, Aether. -Albedo se alarmou com o comportamento do garoto e logo segurou-lhe a mão, envolvendo-a entre as suas próprias com firmeza. -Me conta o que aconteceu, por favor. Eu não vou te julgar por isso. Seu passado não é o motivo pelo qual eu comecei a gostar de você e não vai ser o motivo pelo qual eu vou deixar de gostar.

-Será mesmo? -Albedo engoliu seco mediante o tom quase cínico das palavras de Aether, mas se manteve firme. -Tudo bem. Se você insiste tanto, eu vou falar pra você. Não quero que sinta pena de mim e espero que não sinta nojo, afinal é você quem está implorando pra saber. -Aether suspirou. -Eu tinha uns quinze anos quando me apaixonei pela primeira vez. Ele era meu melhor amigo, Xiao. Claramente eu não tinha coragem pra falar pra ele o que eu sentia, mas eu tinha certeza que ele gostava de mim também pelo jeito que ele me olhava e como interagíamos. Minha irmã implorava pra eu me declarar, mas eu não tinha coragem. Ficamos nesse clima por quase um ano; esse negócio de querer tomar uma iniciativa, mas não ter coragem. Por fim eu tomei a dianteira e o beijei, mas a reação dele foi muito diferente do que eu esperava, então eu percebi que eu tinha estragado tudo entre nós porque achei que havia algo que na verdade não existia. Mas você não precisa ficar com raiva dele, porque não foi ele quem me difamou nem nada. Eu construí essa má fama com mérito próprio... -Ele suspirou triste, havia um sorriso deplorável em seu rosto e ele parecia pronto para chorar a qualquer momento, Albedo entrelaçou os dedos aos dele como quem diz que não o deixaria sozinho e que poderia continuar falando quando se sentisse pronto. -Quando eu percebi tinha perdido meu melhor amigo por causa de besteira... Desabafei com uma outra amiga sobre isso e ela disse que a melhor coisa que eu poderia fazer para esquecer um amor era encontrar outro, então eu tentei. O problema, Albedo, é que eu tentei até demais, eu me entreguei demais. Eu sou um idiota, sabe? Eu me apaixonei por um garoto mais velho, o Dainsleif, nós ficamos algumas vezes, ele se aproveitou do fato de eu ser novo e estúpido, me usou até ficar satisfeito e depois me jogou fora. E mais uma vez eu estava triste e sozinho e me lembrei que a melhor forma de esquecer um amor era encontrar outro. Você já deve ter entendido o resto, mas num resumo: nenhum dos meus relacionamentos deu certo porque no fim das contas todos os caras me achavam fácil, então se aproveitavam de mim e depois iam embora. -As lágrimas começaram a rolar pelas bochechas do estudante de jornalismo conforme ele relatava suas experiências amorosas fracassadas, Albedo sentia seu coração apertado, um nó na garganta, a culpa de fazer Aether se lembrar de tudo aquilo apenas por conta de seu egoísmo. -Depois de um tempo eu meio que desisti, sabe? Xiao, Dainsleif, Diluc, Kunikuzushi,... Depois de me apaixonar tantas vezes e dar errado tão rápido, eu acabei aceitando a alcunha de puta mesmo, não queria mais me apegar, então só ficava com pessoas que eu não conhecia e nunca mais de uma vez com a mesma pessoa. Mas uma hora a gente cansa, eu percebi que esse tipo de vida não era pra mim, então parei de ficar com qualquer pessoa. Desde o início da faculdade eu não fiquei com mais ninguém. E eu estava sério a respeito de não querer sair com ninguém, mas aí eu conheci você... E, droga, eu gosto muito de você, Albedo. Eu gosto muito mesmo... Eu entendo se você não quiser se envolver mais comigo romanticamente, mas, por favor, não deixa de ser meu amigo por isso, eu imploro. -A aflição nos olhos dourados dele era tão intensa que Albedo sequer percebeu que estava chorando junto com ele. Apenas o puxou para si e o abraçou, beijando seus cabelos e o confortando.

Aether não sabia como reagir. Não imaginava a possibilidade do alquimista realmente não querer afastá-lo, mas sim consolá-lo.

-Está tudo bem. Você não é uma puta, Aether.

-Não... Eu sou sim. Eu me permiti ser isso, Albedo. Eu sei que vou carregar esse estigma pro resto da minha vida, pelo menos enquanto eu estiver em Liyue e as pessoas souberem o que eu já fiz. Aqui as fofocas correm rápido e eu não pensava no que seria da minha reputação naquela época... Eu só... fazia. Eu deixei tanta gente me tocar... Eu me arrependo de muitas dessas vezes porque foi horrível, mas não vou fingir que não foi voluntário. Eu fiz isso. Eu transei com tantos caras que eu nem me lembro os nomes ou os rostos, às vezes fazia isso com várias pessoas no mesmo dia. Quando paro pra pensar nisso, eu sei que eu estava tentando fugir dos meus próprios sentimentos, mas acabei me embolando ainda mais. Por isso eu entendo se você não quiser me tocar, se tiver nojo de mim... -Ele soluçou. Por mais que dissesse que entendia, no fundo ele estava em pânico pela simples possibilidade de Albedo não o querer mais. As lágrimas não paravam de descer. Albedo só queria confortá-lo de alguma forma.

-Ninguém pode apagar o que você viveu, Aether, mas nada daquilo importa mais, entende? Eu não me importo com o que as pessoas pensam de você ou com o que vão pensar de mim. Agora eu entendo o que aconteceu, peço desculpas por fazer você reviver todos esses traumas. Eu vou ficar ao seu lado, não vou embora. Também gosto muito mesmo de você, então por favor não chore mais por essas coisas, ok? -Albedo limpou as lágrimas do outro com seu polegar e beijou-lhe novamente o topo da cabeça. -Na verdade, estou aliviado de ouvir você dizer que gosta de mim... Eu tenho pensado muito em nós ultimamente, desde que começamos a sair mais.

-V-Você têm? -Ele tentou controlar o choro, querendo ouvir um pouco o que o outro tinha a dizer.

-Sim. Estava pensando em te pedir em namoro. Meus amigos já sabem desses planos... -O alquimista afagava os longos cabelos do outro garoto que tentava se acalmar em seu abraço.

-E-eu não sei, Albedo... Eu quero. Quero muito, mas acho que é cedo. Talvez você se canse de mim. -Aether mordeu o lábio nervosamente apertando os dedos na camisa do alquimista.

-Eu não vou me cansar de você assim tão fácil. Mas tudo bem se você acha que está cedo. Eu entendo. -Ele beijou mais uma vez o topo da cabeça do jornalista. -Então eu vou fazer assim; vou continuar te pedindo em namoro de tempos em tempos até você estar pronto. Desse jeito quando você estiver pronto eu vou estar te esperando.

-Droga, Albedo, eu tava tentando parar de chorar! -Aether sentia seus olhos marejarem, mas dessa vez não era um choro de agonia e aflição. Embora tivesse medo, queria acreditar nas palavras de Albedo. Talvez daquela vez desse certo.

-Desculpa! -Albedo riu um pouquinho e acariciou o rosto do outro secando-lhe as lágrimas. -Mas se você deixar eu realmente vou fazer isso. Desculpa, namorar você é algo que eu quero muito mesmo. Agora ainda mais. Quero ajudar você a curar seu coração se você deixar.

Naquela noite os dois assistiram alguns filmes juntos e comeram as porcarias que compraram. Quando foram dormir mais tarde, nos braços um do outro, Aether se sentiu pela primeira vez em muito tempo compreendido. Albedo não tentou se aproveitar dele de forma alguma nem naquele dia e nem em nenhum outro.

Conforme prometido, de tempos em tempos o alquimista voltava a pedí-lo em namoro e por um bom tempo ele negou, ainda hesitante quanto aos sentimentos dos dois, mas Albedo sabia que alguma hora Aether o aceitaria, pois tinha certeza que o sentimento que nascia entre eles era genuinamente amor.

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