5- meu querido dinheiro

1.2K 115 5
                                    

Takemichi e Shinichiro caminhavam lado a lado pelas ruas de Tóquio, sem pressa, aproveitando a tranquilidade que o entardecer trazia. O céu começava a ganhar tons alaranjados, e o vento leve parecia sussurrar histórias pelas esquinas. Quase hora de voltar para casa. Takemichi olhou para Shinichiro, seus olhos brilhando de expectativa, como uma criança esperando por um presente. Shinichiro suspirou ao perceber o olhar, já sabendo o que estava por vir.

— Pensei que você esqueceria... — resmungou Shinichiro, enquanto enfiava a mão no bolso para pegar a carteira. A clássica sexta-feira. O clássico momento de abrir mão da mesada.

— Eu nunca esqueceria o dinheiro — respondeu Takemichi, pegando a nota com a mesma animação de quem acaba de descobrir que ganhou na loteria, mas com a serenidade de quem sabe que, na verdade, só vai dar pra um lanche modesto. Colocou o dinheiro no bolso da calça, satisfeito.

Shinichiro encarou a carteira vazia por um segundo a mais do que o necessário. Se despedir do dinheiro toda semana era sempre uma dor agridoce. Nem era tanto assim, mas... ah, o apego.

— Não é pra tanto — Takemichi zombou, percebendo o drama exagerado. — Vamos logo pra casa, eles devem estar esperando por nós. — Sorriu de um jeito brincalhão, como se a leveza dele pudesse dissipar qualquer sombra de preocupação.

Enquanto caminhavam de volta, Shinichiro sentia uma onda estranha de alegria. Tudo estava indo tão bem. A nova rotina, as risadas, as conversas. Era uma vida que ele jamais imaginou ter, e cada passo com Takemichi ao lado parecia reforçar essa sensação. Mas ao mesmo tempo, uma pontada de melancolia o incomodava, como um pensamento esquecido que de repente retorna.

As memórias de Takemichi pesavam. Ver aquele garoto, que agora tinha se tornado uma peça tão importante na sua vida, sofrendo... Aquilo doía. Ele odiava a ideia de Kisaki se aproximando, mesmo sabendo que, de alguma forma bizarra, eles agora eram amigos. Kisaki, com aquela cara de quem está sempre tramando algo. Shinichiro podia sentir um leve desconforto rastejando pela espinha, como se o passado estivesse à espreita, esperando o momento certo para se repetir.

Shinichiro ainda se pegava pensando: Será que não seria melhor se Hina estivesse namorando Kisaki? Talvez assim ele desconfiasse menos. Mas não. Parecia que Kisaki estava eternamente preso na zona da amizade com Hina. E, falando nela, Hina estava em casa jogando videogame com Emma. Era curioso como todo mundo naquela casa tinha algum envolvimento com gangues. Exceto o avô. O avô era como a rocha da normalidade, o elo mais distante da confusão.

Mas havia algo mais incomodando Shinichiro, algo mais profundo e, de certo modo, assustador. Ele começou a perceber que estava sentindo algo estranho por Takemichi. Algo que não fazia sentido. Era como se, toda vez que Takemichi sorria para ele, algo dentro dele derretesse um pouco. E isso o apavorava. Ele, um homem hétero, sempre teve quedas por garotas. E, de repente, ali estava ele, se pegando a pensar em Takemichi de um jeito... diferente. Como se o mundo estivesse de cabeça para baixo.

Ele tentou se afastar um pouco, como quem tenta se livrar de uma culpa não confessada. Mas quanto mais se afastava, mais parecia estar machucando Takemichi, e isso só o fazia se sentir pior. Que droga!, pensava. Isso não faz sentido nenhum. Não é como se ele sentisse o mesmo por mim. Além disso, havia a diferença de idade. E, honestamente, o que ele estava pensando? O amor não é uma fórmula matemática, e sua vida já era complicada o suficiente.

Mas, ainda assim, aquele sorriso... Aquele sorriso parecia capaz de iluminar até os dias mais nublados de sua mente. E, por mais que tentasse negar, algo em seu peito parecia estar se aquecendo de um jeito que ele nunca havia previsto.

Takemichi sentia como se o chão estivesse se afastando dos seus pés, como se o universo estivesse lentamente puxando Shinichiro para longe dele. Cada vez que olhava para o lado e não o via ali, seu coração apertava mais, e o medo o consumia. Será que ele descobriu? Será que percebeu o que eu sinto por ele e não sabe como me dizer que... não sente o mesmo? Esses pensamentos giravam na cabeça de Takemichi como uma tempestade que ele não conseguia controlar. A sensação de rejeição iminente era sufocante, como se ele estivesse prestes a perder não só Shinichiro, mas uma parte de si mesmo.

E o pior de tudo? Ele havia esquecido completamente que seu aniversário de 17 anos estava a dois dias de distância. Era como se a vida estivesse passando por ele num borrão acelerado, enquanto ele ficava preso em seus próprios pensamentos e sentimentos. Tudo o que ele queria agora era ser um grande artista — mas como se concentrar nos estudos e nas suas pinturas, quando o próprio coração parecia desmoronar?

Ao chegar na escola, Takemichi foi direto para a sala de Kisaki, seu amigo peculiar. Lá estava ele, como sempre, sentado no colo de Hanma. Nada surpreendente. Aquela dupla era um mistério ambulante. E o mais irônico? Eles sempre insistiam em dizer que eram héteros. Takemichi ria por dentro toda vez que ouvia isso. Sério? Com tanta proximidade, e ainda querem convencer alguém disso? Pensou, mas dessa vez, nem se deu ao trabalho de dar um "oi". Sentou-se numa cadeira qualquer e soltou tudo de uma vez, como se o peso dos seus pensamentos não pudesse mais ser segurado.

— Acho que Shinichiro sabe dos meus sentimentos por ele — disse, com a voz trêmula, quase sufocada pelo nervosismo.

Hanma, sempre o despreocupado, bocejou antes de responder, como se o drama emocional de Takemichi fosse apenas mais uma segunda-feira entediante.

— Você tem certeza? Talvez você só esteja viajando, mano — disse Hanma, os olhos semicerrados de sono ou tédio.

Takemichi suspirou, mas sentiu um nó na garganta. Como explicar o sentimento de ver alguém que você ama, lentamente, se afastando? Ele podia sentir o vazio crescendo, como se estivesse vendo um filme em câmera lenta, onde o protagonista nunca consegue alcançar o que realmente quer.

— Ele está agindo estranho esses dias — disse Takemichi, sua voz carregada de tristeza. — Parece que está se afastando cada vez mais de mim.

Kisaki, que estava com um olhar mais sério que o usual, balançou a cabeça.

— Mas ele sempre foi meio distante, né? — Kisaki falou, com um ar de quem estava tentando encontrar lógica onde não havia. — Tipo, ele nunca foi grudento. E, sei lá, ele te deixa fazer umas coisas que pais normais nunca deixariam, né? — Concluiu, com uma pontada de melancolia, enquanto provavelmente pensava em sua própria mãe, que não era exatamente o modelo de carinho maternal.

Takemichi mordeu o lábio, sentindo a verdade das palavras de Kisaki como um soco no estômago. Era verdade. Shinichiro nunca o tratara como um pai de verdade, e ele sempre soubera disso. Mas de alguma forma, com o passar do tempo, aquele laço se tornou algo mais profundo, mais confuso. E agora, parecia que tudo estava desmoronando, sem que ele soubesse como consertar.

— Ele não é meu pai — Takemichi murmurou, a voz baixa, quase como se estivesse falando para si mesmo. — Ele sempre deixou isso claro pra mim. Ele só está cuidando de mim... até minha mãe voltar. Mas... parece que ela nunca vai voltar, né? — Ele riu, mas foi um riso triste, vazio. — Acho que ela morreu naquela viagem de negócios que nunca teve fim.

Os pensamentos de Takemichi vagaram longe, enquanto as palavras ecoavam no ar. Ele sempre esperou por algo que nunca veio, sempre alimentou esperanças que, no fundo, sabia serem inúteis. Agora, sua vida estava cheia de incertezas, e seus sentimentos por Shinichiro eram a maior delas. Como poderia continuar com isso preso no peito? E se fosse tarde demais para salvar qualquer coisa entre eles?

Mas enquanto ele tentava juntar as peças desse quebra-cabeça emocional, uma parte dele também sabia que talvez estivesse apenas complicando tudo em sua cabeça. Talvez, Shinichiro estivesse apenas passando por algo, e nada tivesse a ver com ele. Ou talvez... bem, talvez o amor simplesmente fosse assim. Uma montanha-russa onde, às vezes, você não sabe se está subindo ou despencando.

AS MEMÓRIAS SÃO SUA SALVAÇÃO.Onde histórias criam vida. Descubra agora