Olá, New York!

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O avião pousa num solavanco e eu acordo no susto.

Esfrego meus olhos, tentando afugentar o sono e abro a janelinha ao meu lado. Minhas retinas demoram a se acostumar com a claridade do mundo exterior. Tudo que consigo ver é a longa asa direita do avião, que continua manobrando na pista que parece nunca ter fim.

Enquanto absorvo aquela confusão de aeroporto, lembro-me vagamente do agradável sonho que eu estava tendo antes de ser interrompida. Flashes vem e vão, e eu tento me agarrar a eles para formar um cenário: Era um lugar grande e cheio de gente. Um museu, um shopping? Não sei. Adam Driver surgia do meio da multidão e vinha até mim. Segurava minha cabeça com as duas mãos e me beijava. Profundamente. Apaixonadamente.

Dou um suspiro. Ah, eu amo e odeio este tipo de sonho!

Acho tão injusto que a nossa cabeça faça a gente acreditar que está realmente vivendo um romance intenso e maravilhoso, e então, PUF! Tudo acaba, e somos obrigadas a continuar aturando o mundo real, com caras que escrevem coisas do tipo 'E aí gata, manda nudes?' e que pensam que clitóris é alguma marca de chiclete de menta.

As pessoas sensatas dirão que sou muito exigente, mas o que elas não entendem é que sou uma escrava da cultura de fanfic. Fui condicionada por histórias recheadas de homens gostosos e viris, e todo tipo de fantasias mirabolantes, e sei que nenhum homem dará conta do recado se não souber o que fazer comigo na cama. Portanto, se é para me frustrar prefiro me frustrar sozinha – ou com Darth Vader, meu vibrador vermelho que brilha no escuro.

Suspiro e aperto meus olhos, tentando me lembrar de mais um beijo, um olhar, qualquer coisa.

A voz do comandante soa ruidoso nos altos falantes: "Tripulação, portas em manual."

*

Estou observando a cidade passar pela janela do táxi. Kika fez questão de pegar um táxi e não um Uber, mesmo sendo o dobro do preço "É pela experiência de andar num táxi amarelo!" ela me explica, com a serenidade de quem pode gastar dinheiro sem se preocupar com a cotação do dólar.

Assim que o táxi dobra a esquina de uma rua tranquila e arborizada, sou tomada por uma sensação de profunda familiaridade, mas não é à toa. Desde que me classifiquei num concurso mundial de melhor fanart de Star Wars, passei o mês todo rodando Nova York pelo Street View em busca da hospedagem ideal. Por sorte encontramos um pequeno apartamento no Brooklyn Heights. Um bairro familiar, seguro e de fácil acesso, ao sul de Manhattan.

O motorista buzina e desvia de um ciclista que mostra o dedo do meio. Ai, isso é tão Nova York! Eu vibro, recordando-me de alguma cena de Girls. O táxi manobra e estaciona na frente do prédio geminado. Eu checo o endereço "É aqui!"

Enquanto Kika paga a corrida eu observo a rua. Dou um suspiro e fantasio as inúmeras chances que eu teria de encontrar meu artista preferido nesta viagem. É uma esperança quase infantil, eu sei. Nova York é enorme, tem mais de oito milhões de habitantes... mas, sonhar não custa nada. Mentira. Custa sim, no cartão de crédito e em doze vezes sem juros.

O portão do condomínio se abre e a corretora, uma mulher chique na casa dos cinquenta anos, nos recebe com um sorriso educado.

"Bem vindas, Isobel e Kika!"

"Desculpe a demora!" apresso-me em explicar "Nosso voo acabou atrasando e, bom, você sabe como são estas companhias aéreas né?"

"Sem problema! Esta época do ano muitos voos atrasam por causa do clima."

Nossa anfitriã trabalha com alugueis por temporada em Nova York. Enquanto arrastamos nossas malas escadaria acima, ela nos explica que aquele prédio não tem elevador, dado que foi construído no início do século 20 na pré-guerra. Em compensação a região é muito boa, pois além de contar com uma linha de metrô, tem muitos restaurantes, cafeterias e supermercado próximos. Ela afirma que tivemos muita sorte, já que este imóvel raramente está disponível.

Um Retrato a LápisOnde histórias criam vida. Descubra agora