Quando eu era criança, com cinco ou seis anos, conheci esse menino no caminho da creche para casa. Minha mãe e eu nos sentamos ao lado dele no ônibus, embora tenha passado muito tempo desde que isso aconteceu, ainda me lembro claramente. Ele parecia estranho de uma maneira interessante, tinha um corte de cabelo curto, roupas amarrotadas sob uma camisa de flanela muito maior que ele e remendada no cotovelo. Seus jeans pareciam velhos e seus sapatos estavam sujos, mas o mais importante, ele usava uma máscara cirúrgica branca no rosto. Acho que o encarei em silêncio durante a maior parte da viagem. Seus olhos estavam fixos nos carros que passavam do lado de fora da nossa janela, então ele parecia não me notar.
Em algum momento, no entanto, ele olhou para mim. Seus olhos eram cinzentos e havia algo neles que me encantava. Eu costumava ser uma criança muito tímida, minha mãe tinha que me obrigar a falar com as pessoas, e na creche eu brincava mais sozinho. Nunca antes eu tinha olhado alguém nos olhos como eu fiz com ele, mas por algum motivo isso não me deixou desconfortável.
— Por que você está vestindo isso? — Apontei para sua máscara.
— Lucas! — Minha mãe franziu a testa e então olhou para ele, suavemente. — Sinto muito por isso, ele não quis ser grosseiro.
O menino balançou a cabeça negativamente, se havia raiva ou um sorriso sob sua máscara, não tínhamos como saber.
— Está tudo bem... eu uso isso porque estou doente, não consigo respirar o mesmo ar que você respira na maioria das vezes — sua voz soava cansada.
Ele não era muito mais velho do que eu, talvez quatro anos no máximo, mas estava passando por algo assim. Algo que meu eu mais jovem não conseguia entender. Minha mãe lhe fez algumas perguntas por preocupação. A doença dele era contagiosa? Ele poderia estar fora de casa assim sozinho? Precisava de ajuda para voltar para casa?
Ele respondeu a todas como se estivesse acostumado a isso. Não, o que ele tinha não era contagioso e sim, ele estava bem sozinho, mas não se importaria de ter companhia no caminho de volta. Por sorte, sua parada era a mesma que a nossa e não tivemos que caminhar muito para acompanhá-lo. Chamava-se Leon e morava com a avó a poucos quarteirões de nossa casa. Ela era bem velha e tinha dificuldade para andar, então às vezes ele ia sozinho ao médico ou à farmácia.
Quando chegamos à casa dele, a velha estava sentada na entrada, em um banco de madeira com um cobertor sobre as pernas. Ela estava esperando por ele e sorriu brilhantemente quando nos viu.
— Ah, você fez amigos — sua avó acenou gentilmente.
— Eles se ofereceram para me levar para casa — Leon disse, saindo do meu lado para abraçá-la.
No ônibus e durante toda aquela caminhada do ponto até a casa ele esteve ao meu lado e meus olhos estavam grudados em sua figura como se ele fosse a coisa mais interessante que eu já tinha visto antes. Então, no momento em que ele se afastou eu tentei segui-lo, mas minha mãe me segurou pelo braço.
— Ele não deveria estar andando sozinho, ele ainda é só uma criança — a minha mãe parecia muito descontente. — Onde estão os pais dele?
— A mãe dele mora no campo com o marido, eles não podem deixar o trabalho para trás e o Leon precisa de tratamento aqui na cidade — explicou enquanto acariciava os cabelos curtos do menino.
Nossos olhos se encontraram novamente e eu me lembro de me perguntar como era o resto de seu rosto. Ele estava me mostrando sua língua? Tinha dentes grandes ou uma verruga peluda sob o nariz? Eu nunca estive tão curioso antes, meu único desejo era tirar aquela máscara e descobrir. Mas o aperto de minha mãe no meu braço era forte, ela me mantinha quieto enquanto falava com a velha. Não me lembro de toda a conversa, minha mente estava focada no mistério por trás daquela máscara.
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LÁBIOS FRIOS - CONTO LGBT
RomansaQuando o destino de dois garotos solitários e diferentes dos demais se cruza, suas vidas se tornam interligadas de formas que nem mesmo eles são capazes de compreender. Resulta assim em uma história de crescimento, aceitação, descobrimento e amor, q...