002. Solyne

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Sempre fui uma considerada como a filha prodígio, era a forma na qual encontrei para chamar a atenção do meu adorável pai.

Apesar dos meus imensos esforços, tentando ser o sonho de todo pai, falhei miserávelmente em minha missão.

Toda a atenção que o meu pai tinha era em seus feitiços estúpidos. Nos últimos dez anos ele dedicou sua vida a um projeto um tanto desconhecido.

Nos primeiros anos pensei que toda sua dedicação era uma forma de lidar com o luto. Afinal, o seu filho primogênito havia morrido. Mas ao longos dos outros anos, percebi que havia tornado-se uma obcessão.

Não sei quais feitiços Roderick fazia, mas a cada ano durante essa década, ele e os seus comparças ficavam cada vez mais jovens e ricos. Tudo isso enquanto desgraças alastravam-se ao redor de todo o mundo.

Era um projeto sigiloso, nunca pude ao menos chegar próximo da escada do porão, era algo extremamente restrito e proibido. A única informação que consegui coletar durante esse tempo, era que papai havia aprisionado algo.

De nada me servia essa informação e tão pouco me causava curiosidade. Até que eventos considerávelmente estranhos começaram a atormentar a minha rotina.

A sensação de literalmente sonhar acordada era algo um tanto perturbador, causava-me a sensação de estar delirando. Delírios. Malditos delírios.

O maior medo existente dentro de mim era de ser colocada em um hospício, assim como minha avó foi.

Alegaram que ela estava maluca, que era uma mulher com histéria e esquizofrênica. Foi abandonada pelos filhos em um hospício qualquer e passou toda sua vida presa em um local que a adoeceu.

☽☽

Os sonhos com o olhar azulado hipnótico estavam cada vez mais constantes e o corvo parecia perseguir-me a cada lugar que eu ia.

-Papai? Quando voltas? - O perguntei com curiosidade e tomada de receio.

- Não sei, não a devo satisfações. -Ele murmurou de forma ríspida seguindo um de seus homens.

-E porque não? Eu sou sua filha, papai. Porque trata-me dessa forma? - O choro preso na garganta me fez segurar a lágrima solitária que estava preste a escorrer.

-Porque você é uma bastarda. - Roderick cuspiu as palavras de forma nada afetuosa. - Ao invés do meu primogênito deveria ter sido você.

As palavras atingiram-me como adagas afiadas o bastante para alcançarem o meu ponto fraco...meu coração.

Corri o mais rápido e para mais longe que pude, continuar na presença de Roderick causava-me imponência e só ressaltava o passado que eu não gostava de relembrar. Ser filha da amante de papai era algo vergonhoso e o Sr.Borgess fazia questão de ressaltar isso.

Cessei meus passos ligeiros e parei ao notar o quão longe estava. Ergui meu vestido de tonalidade clara na tentativa de não o sujar com a grama molhada pelos respingos da chuva que iniciara.

Meus olhos encararam com confusão o céu que havia ficado nublado em pouquíssimos minutos.

-Oras! Maldita chuva infernal. - Resmunguei refazendo meu caminho para voltar para casa, o ar abafado que o sereno causava poderia deixar-me inferma.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo som do canto de um corvo. Em um espanto, corri o mais rápido que pude para a entrada da minha casa que estava a poucos metros.

Os pingos da chuva tornaram-se vorazes e frios como gelo. Agarrei meu corpo esguio na tentativa de proteger-lo do vento gelido que batia contra minhas vestimentas.A porta foi aberta por uma das domésticas que estava prestes a ir embora.

-Desculpe-me, senhorita. - Ela disse com espanto. - Caso queira saber, o seu pai partiu para a viagem a tempos. - Me informou de forma observadora, com um olhar de lamento pela forma da qual eu me encontrava.

-Muito obrigada. - Respondi de forma amigável correndo para meus aposentos.

Retirei do meu corpo todas as vestimentas que estavam molhadas e procurei por algo confortável e quente. A lembrança da fisionomia masculina dentro da redoma de vidro alcançou minha mente fazendo-me hesitar um pouco no que fazia.

-Me ajude...me ajude - Um breve sussurro pairou por meus ouvidos causando-me espanto.

Corri para minha cama em uma velocidade um tanto incomum e escondi-me debaixo das cobertas.

A temperatura agradável, a maciez dos lençóis e o cansaço após o evento passado, fez com que minhas pálpebras fechassem cansadas, acabei por adormecer em segundos.

O local na qual me encontrei era cercado de árvores, tão verdes que eu poderia jurar que elas nunca viram um mínimo de poluição.

A água era limpa e reluzente, poderia ser utilizada como um espelho. O local que mais parecia com um bosque transmitia paz e calmaria.

Aproveitei para correr em meio ao campo com diversas flores, era algo inacreditável, tão lindo e belo como uma pintura renascentista. Meus pés descalços tocaram a grama que era tão macia como uma nuvem. O ar era tão puro e limpo que causava-me estranheza.

Os pássaros cantavam e sobrevoavam em torno de mim. O cheiro das diferentes rosas misturavam-se no ar e as cores diversas embelezavam o local.

-Você precisa ir embora. - O corvo disse de forma séria.

Pisquei atônica em sua direção ao ouvir um corvo falar, isso era totalmente incomum.

-O Sr.Morpheus precisa da sua ajuda. Acorde. - O corvo gritou voando em minha direção.

Em um pulo acordei espantada com o sonho, se é que poderia ser considerado isso. Procurei por meus chinelos e meu roupão de seda.

Em passos vagarosos desci as escadas indo em direção a cozinha. As velas acendidas pelos corredores causavam um sentimento de medo e deixavam o ambiente com uma áurea tenebrosa.

Aqueci um pouco de leite e misturei com um pouco de açúcar, me ajudaria a se recuperar do pesadelo.

Fixei meus olhos em meus pés balançando freneticamente de forma que demonstrasse minha impaciência.

-Você precisa me ajudar. - A voz rouca do homem sussurou firme e a personificação dos seus olhos encararam-me profundamente assim que me virei.

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