Durante os 9 anos de ensino fundamental, permaneci no mesmo ambiente. Uma escola boa de ensino, professores e estrutura. Eu amo aquele lugar de verdade, sempre gostei de estudar lá, ter aula ouvindo passarinhos, com ar fresco vindo da reserva de mata atlântica no meio do terreno da escola. Ver tucanos, esquilos e até um macaquinho vez ou outra.
Eu amo e amava aquele lugar. Mas as pessoas... as pessoas fizeram do meu paraíso o inferno.
Ironia do destido, tinha alguns bons amigos, mas todos espalhados por outras turmas, sempre mais velhos ou mais novos, nunca os da minha sala.
Da minha turma, da para contar nos dedos àqueles que foram meus amigos. Além disso, muitas das pessoas que eram "amigos" colaboravam com o bullying, alguns riam mas não praticavam efetivamente, outros deixavam escapar ofensas disfarçadas de piada que eu fingia achar engraçado. Desses poucos, um ou dois me defenderam, tentaram me acolher e fazer com que parassem.Mas os traumas, carrego incontáveis. Alí foi a nascente das minhas inseguranças, dos meus medos, da minha falta de autoestima e de grande parte do passado que me atormenta no presente. Carrego um peso enorme escondido no fundo da minha inconsciência, um medo e desconfiança de que, na verdade, ninguém gosta de mim. Que eu não sou boa o suficiente pra alguém me amar, romantico ou amizade. E eu, por fora, sei que isso não é verdade, eu tenho amigos de verdade e uma pessoa que morre de amores por mim, mas lá no fundo, como se fosse atrás de uma parede de vidro, ficam guardadas vozes abafadas lembrando de como ninguém gostava de mim nos meus anos formativos. Uma dessas vozes sempre foi minha.
Esses 9 anos se arrastam junto comigo como correntes pesadas, feitas de chumbo. As palavras berradas em meus ouvidos, tal como as atitudes, os empurrões, as bolinhas de papel e todas as coisas que me atavam um nó na garganta e enchia meus olhos de lágrimas doía fisicamente na parte de trás da minha cabeca até a nuca, como se tivessem colocado um peso de 50kg na minha cabeça e eu tivesse que permanecer de pé.
Às vezes, me sinto como a mesma eu, segurando o choro enquanto mandava alguém "pra'quele" lugar por ter me feito sentir mal. Já que nunca conseguia pensar em outra resposta, não tinha apoio nem ninguém para me defender.
Esses dias me senti assim de novo.
Com duas pessoas que participaram desse passado. Tinhamos a relação de "amizade" que mencionei anteriormente, essas duas pessoas faziam com que eu me sentisse mal, disfarçado de piada e "só uma brincadeira", me excluiam de algumas conversas, trabalhos em grupo e até em passeios escolares.
Mas eram as únicas pessoas que eu conseguia conversar um pouco, rir e não me sentir totalmente sozinha todos os dias durante as aulas, mesmo que, nos intervalos me afundava em algum livro com música alta nos meus ouvidos para abafar meus próprios pensamentos, ou com alguém de outra sala.
Não posso deixar de dizer que eu não era a única sofrendo e não culpo muito essas pessoas pelas piadas e brincadeiras, afinal, se você não passasse por cima de ninguém, todos passariam por cima de você. Eu assumo também, não sou santa, fiz muita coisa errada em ordem de tentar me defender também ofendi algumas pessoas.
Todos nós alí eram muito novos, tinhamos que lidar com inseguranças e mudanças, mas alguns resolveram humilhar e ridicularizar os outros para que toda a atenção negativa fosse voltada para duas, talvez três pessoas, mas nunca para elas.
Mas aquele momento acabou, ninguém mais tem 14 anos, não estamos mais vivendo a fase de "meninas malvadas e valentões" que eu achava que só acontecia em filmes Americanos.
Saímos todos, sem exceção daquele ambiente. É preciso amadurecer, deixar de "zoar" as pessoas.A partir disso posso dizer, que aquelas duas pessoas que mencionei, quando estão separadas, amadureceram. Mas quando se juntam, voltam a ter 14 anos. E com a cabeça de criança/adolescente de volta, resolveram que seria uma boa ideia aprontar alguma coisa comigo, no meu aniversário.
Eu as convidei porque em outras ocasiões, depois de estarmos em outras escolas, nos encontramos e nos demos bem, sempre uma separada da outra. Nos tornamos mais amigas, mesmo que a maior parte do conteúdo que tinhamos era falar do passado, que também as magoou e trouxe cicatrizes.
Não imaginava que iam fazer isso comigo aquele dia, não tentaram conversar com nenhum dos meus amigos (que fiz depois), se fecharam entre si e só falavam do passado, contando episódios extremamente traumáticos pra mim rindo, como se fosse só mais uma terça feira muito engraçada.
Chegado um ponto em que resolveram sair de onde estávamos para "dar uma volta", quando voltaram, fingiram não me ver nem ouvir, combinaram entre si de me ignorar.
Aquilo me fez sentir invisível de novo, o mesmo peso, o mesmo nó na garanta e a mesma vontade de chorar, disfarçada com um "ah vai se f****!"Engoli a seco o que deveria ter devolvido, deveria ter afrontado, respondido, questionado qual era a graça daquilo. Deveria ter me defendido ao menos uma vez, eu tinha gente alí que ficaria do meu lado, que não hesitaria em me acolher e me defender. Mas fiquei alí, tentei me distrair e quando foram embora senti quase um alívio.
Depois que saíram eu percebi, eu estava agindo de um jeito muito estranho para o meu costume. Estava mais contida, pensando mais no que falava, do jeito que minhas roupas estavam. Eu estava preocupada com o que essas duas pessoas iam pensar de mim.
O que fez cair minha ficha foi a cara dos meus amigos, os que estão comigo nos momentos bons e ruins. Notei depois que a presença daquelas pessoas de "14 anos" falando do nosso passado em tom de chacota estava incomodando não só a mim e pior, eles perceberam que eu estava agindo estranho. E depois que sairam...
Voltei a ser eu.
E isso que me deixou mais magoada, eu não sou eu quando estou com essas pessoas. Me policio na postura, fala, risada, tom de voz, na minha auto-imagem. Porque quero mostrar uma EU que superou tudo aquilo que deu a volta por cima e está maravilhosa, com autoestima e bem. Mas essa não sou eu.
Nem sei quem sou eu ainda e estou longe de ter superado tudo aquilo, vejamos que estou escrevendo sobre isso mais uma vez. Não dei volta por cima nenhuma.
Ok, agora eu tenho amigos, namorado, tenho um pouco mais de confiança e minha identidade está mais formada, mas não sou o que eu tento mostrar quando as vejo.
Eu sei que faz bastante tempo que saí de lá, as pessoas que mais me fizeram mal nem devem se lembrar de mim direito. Mas eu não consegui deixar isso para trás.
Não tive a oportunidade de construir uma opinião sobre mim mesma antes que eles começassem a atracar tudo que tinha alguma coisa a ver comigo. Não tinha estrutura emocional para não acreditar quando diziam coisas sobre minha aparência e minha personalidade. E chego a ter vergonha de estar longe disso faz 4 anos e ainda deixar isso atrapalhar tanto minha vida.Sou extremamente insegura, sou ciumenta por causa disso. Minha autoestima é geralmente baixa, preciso de afirmação constante e acho que todo mundo me odeia.
Não consigo aceitar e acreditar em elogios na maioria das vezes.Sou chorona, manteiga derretida. Chorei porque uma amiga disse que me ama, de maneira espontânea, chorei porque um amigo deixou escapar um "nossa, esqueci como você é bonita" depois de ficarmos muito tempo sem nos vermos. Chorei porque ganhei um bordado e um desenho de dois amigos, porque eles prestaram atenção em coisas que eu gostava.
Eu ainda não sei quem sou eu e sei que para descobrir, preciso deixar as amarras do passado no passado. Mas é dificil como cortar correntes de aço com uma faca de brinquedo.
Já consegui andar alguns passos, separar as versões das pessoas que eu tenho na minha cabeça com quem são hoje, afinal, se eu mudei, eles podem ter mudado também. Perdoar algumas dessas versões, entender os motivos para o que faziam. Ser pouco a pouco menos ciumenta e medrosa... por aí vai.
E agora mais um, não posso me sentir obrigada a manter pessoas que me fazem mal na minha vida.
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Desabafos
No FicciónEsse livro vai carregar meus devaneios, assuntos mal resolvidos, tristezas, tormentos e assombrações. Não garanto nenhuma revisão de concordância e já aviso sobre as possíveis repetições. Meio que copiando a ideia de um amigo muito querido, enfim, a...