Capítulo 2

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A tempestade que atingiu o vilarejo naquela noite fez com que todos se trancassem enclausurados dentro de suas casas, e eu mesmo estava encolhido perto do fogo e com os dentes batendo de frio, uma xícara fumegante de chá verde em mãos enquanto olhava pela janela. A neve dificultava a vista, mas apesar de tudo, era uma paisagem bonita, e meus dedos estavam aproveitando a inspiração de minha mente para moldar um pequeno dragão de argila.

O mundo coberto de branco tinha uma aparência pacífica mesmo enquanto o gelo despencava do céu, e sob a luz do luar, tudo tinha um tom profundamente melancólico, entoando devidamente com meu estado de espírito.

Estava me levantando para ir para a cama, minha pequena escultura terminada, quando outra coisa me chamou a atenção do lado de fora.

Havia alguém ali.

No meio da neve congelante, do clima inóspito, havia uma pessoa. A casa mais próxima ficava há quase quilômetros de distância, então quem quer que fosse aquele louco não poderia estar pensando direito em caminhar para onde quer que fosse. Ou aquela louca? Graças à tempestade, a figura parecia oscilar, e eu era incapaz de ver quem era.

E eu talvez fosse tão louco quanto, pois sem pensar duas vezes, enfiei meus pés em botas de lã e saí de casa ainda vestindo o casaco.

Corri na direção da figura, que com certeza só podia ter perdido a cabeça, pois parecia estar vagando pela neve como se fizesse um passeio sob árvores de Sakura. Em segundos, eu já estava congelando, os ossos doendo pelo vento insuportável que castigava meu rosto, e a neve grudou contra meus cabelos e fez meu nariz arder.

— Ei, você! — gritei quando estava mais próximo, apesar do rugido do vento engolir minha voz. Estava há menos de dois metros quando finalmente pude ter certeza de que a pessoa estava de costas para mim, os cabelos longos negros voando ao redor do corpo. — Você! O que está fazendo aqui?

Ela se virou para mim então, e quase recuei ao enxergá-la finalmente.

A jovem à minha frente era belíssima, o rosto simétrico, com olhos grandes, dourados, que ergueu em direção aos meus. Sua boca delicada estava rosada pelo frio, bem como as bochechas que pareciam esculpidas em mármore de tão perfeita que era sua pele. O nariz longilíneo conduziu meu olhar às sobrancelhas arqueadas, expressivas, tão escuras quanto os cabelos lisos. Ela vestia um kimono que com certeza não era o bastante para protegê-la do frio, branco e vermelho, mas era feito com tecido de aparência cara.

Esse pensamento felizmente me fez voltar à realidade.

— Ei, você precisa sair desse frio! Está perdida? Posso ajudar? — declarei, e a jovem ergueu as sobrancelhas. Certo, o que tinha de beleza também tinha de insana.

— Eu não tenho onde me abrigar — ela respondeu, sua voz melodiosa e gentil, e encolheu os ombros pequenos.

— Venha comigo — chamei imediatamente, gesticulando para que me seguisse de volta para minha casa, e em seguida, despi meu casaco e o ofereci a ela. A jovem aceitou e curvou levemente a cabeça para agradecer, se enrolando na roupa enquanto eu estremecia da cabeça aos pés sentindo o ar álgido direto na pele.

Nós retornamos por onde eu havia vindo, ela me acompanhando silenciosamente e parecendo sem pressa alguma para sair do frio.

Qual era o problema daquela mulher?

Enfrentamos o caminho em silêncio e mantive a porta aberta para ela passar quando a alcançamos, lhe dando passagem para dentro, o local felizmente ainda aquecido graças às chamas que eu deixara acesa.

— Como você não está congelando? — indaguei ao ver a tranquilidade dela ao observar o lado de dentro de minha casa... Uma bagunça completa de pedaços de metal jogados para todos os lados e uma boa coleção de pratos abandonada na pia. Mas claramente seus olhos se fixaram em minhas mais estranhas esculturas por ali; em materiais diversificados, as estátuas se espalhavam em locais desordenados e inapropriados da casa, como na beira da janela, que eu enchera de pequenas flores feitas de restos de ferro de alguma lâmina fracassada, bem como os suportes de argila em formato de dragão para espadas gêmeas que eu nunca terminara. Ela apenas deu de ombros para responder minha pergunta, e voltou as íris douradas para mim, onde pude enxergar algo... Estranho, que não saberia nomear, mas me causou uma sensação curiosa. — Pode se aquecer perto do fogo. Vou pegar uma xícara de chá quente.

Apesar de não ter demonstrado incômodo com o frio, ela de fato fez como falei e se sentou ao lado de fogo. Meneei a cabeça às suas costas, certo de que só podia ter abrigado uma louca em minha casa, e fui para a cozinha servir o chá.

— Não tivemos chance de nos apresentar. Sou Munechika Sanjo. Qual seu nome? — perguntei, tentando começar alguma conversa, e talvez descobrir para onde levar aquela mulher pela manhã, quando a tempestade tivesse cessado.

Coloquei o chá na xícara, ainda soltando fumaça, e me voltei novamente para a mulher, que não havia respondido.

E involuntariamente, derrubei o recipiente no chão com o choque.

Sentada em frente ao fogo, ela brincava com as chamas no ar como se não passassem de uma distração. Mas isso nem sequer era o mais chocante: entre seus cabelos escuros, haviam surgido duas orelhas de raposa, brancas como a neve lá fora, mas com as pontas tão vermelhas quanto seu kimono. Como se não bastasse, espalhadas ao seu redor, estavam uma, duas, três... Nove caudas de raposa, cores combinando com as orelhas.

— Meu nome é Inari. Inari Ōkami.


꒰ ͜͡➸ 𝘕𝘰𝘵𝘢𝘴

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