Capítulo 4

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Inari pareceu genuinamente ter se divertido com meu choque, gargalhando até lhe faltar ar. E conforme ela tinha sua crise de riso, eu me mantive exatamente onde estava, congelado no lugar, meus olhos arregalados fixos nela.

— Sim, Sanjo, estou falando que você é o ferreiro que busco para forjar esta espada.

— Deve haver algum engano aqui — pontuei imediatamente, me levantando do chão numa agitação estranha até para mim, e balancei a cabeça. Fui até uma das wakizashi prontas para entrega que deixara próximas à porta, e ergui uma das lâminas. — Isto é o que eu faço. É meu melhor. Jamais, nem em uma vida inteira, seria o homem certo para forjar a espada que será um símbolo para seu Império.

— Suas lâminas são fracas, seu ferro tem pouca resistência, suas espadas se tornam armas frágeis. A arte Munechika de forja estaria arruinada em suas mãos — Inari rebateu, se erguendo e caminhando até mim com a imponência de uma imperadora. Me encolhi involuntariamente diante de cada afirmação, sabendo o quanto eram verdadeiras. — Porém, seu dom para a arte é evidente. Veja todas suas esculturas neste recinto, e nunca sequer se dedicou à arte. Você transforma em arte aquilo que toca, e não em armas.

— É isso que quer para seu Império? Uma espada decorativa? — deixei uma risada incrédula escapar de meus lábios. Mesmo que fosse esta suposta espada um símbolo, uma arma fraca para representar o poder de uma deusa era inaceitável.

— Eu quero uma espada bela. Sabe quantas pessoas eu poderia encontrar com o conhecimento necessário para forjar uma katana e ao mesmo tempo o talento para transformá-la na mais magnífica arma já vista? Pouquíssimas. Por isso, foi uma sorte enorme que tenha encontrado você, com um coração bom e digno de deixar seu legado em meu Império, mas ao mesmo tempo capaz de executar a tarefa imposta — a deusa me encarava debaixo e falava com firmeza, sua certeza inabalável de que eu era a pessoa certa para fabricar aquela arma.

— Ainda assim, esteja avisada de que criarei uma espada patética para seu Império — bufei, cruzando os braços.

Inari não respondeu. Ela pegou a wakizashi de minhas mãos pelo cabo e a ergueu bem diante dos próprios olhos; no instante seguinte, a lâmina começou a brilhar, e atingiu uma luz tão intensa que fui obrigado a desviar o olhar para proteger minha vista.

Em seguida, com as caudas balançando às suas costas, a deusa foi até o fogo e apoiou a pequena espada ali.

— Se quiser testar o quão forte ela está agora, deixe-a no fogo por nove dias. Só então o metal estará maleável o bastante para ser moldado novamente — ela explicou, e não tinha motivos para duvidar de suas palavras; os olhos dourados encontraram os meus com firmeza novamente. — Da resistência do metal, cuidarei eu.

Engoli em seco, perdido em um turbilhão de pensamentos, mas finalmente, assenti.

— Você forjará a katana, e a apresentará ao shogun em nove meses. Abençoa-la-ei na véspera deste dia para torná-la resistente o bastante para ser aprovada, para despertar a total admiração de sua família. Então, você terá realizado seu maior desejo, e estará livre para seguir sua vida como o artista que é sem o peso do fracasso na arte Munechika — Inari afirmou. — Em alguns anos, virei reinvindicar a Espada, e só então darei a ela o poder verdadeiro que merece ter. Esteja lá para assistir.

Com essas palavras, a deusa se dirigiu à porta de minha casa novamente. Assisti em um silêncio abismal enquanto Inari Ōkami saía para a tempestade de neve e transformava-se em raposa para desaparecer no branco infinito. Na verdade, eu me mantive imóvel até a tempestade em si desaparecer, e o dia raiar brilhante contra o gelo da noite.

***

Como ela havia previsto, assim foi.

Escolhi o melhor ferro que pude encontrar e trabalhei na espada por tantos dias que mal me concentrei em meus outros trabalhos, aqueles que na verdade mantinham meu sustento, já que o pagamento de Inari por sua encomenda era muito diferente daquele que humanos ofereciam.

Ela me pagaria com liberdade.

Liberdade de meus próprios fardos, de meus próprios fracassos, de minha própria vergonha.

Então eu fabriquei a lâmina e a ela dediquei meses de atenção em cada mínimo detalhe. Seu punho foi cravejado com pedraria laranja-avermelhada, e recebeu uma intricada guarda para a mão com formato de uma cauda de raposa. No ricasso da lâmina, eu decorei exageradamente com um trabalho intrincado que me fez suar diante da forja por longas horas, fazendo uma raposa com nove caudas como se tivesse sido desenhada em papel, e não marcada em metal. Sombreei o vinco em uma pintura natural feita por carvão aquecido.

Na véspera de sua apresentação ao shogun, eu a nomeei Kogitsunemaru, em homenagem à sua verdadeira futura proprietária. Ao amanhecer da tão aguardada data, vi que a lâmina estava diferente: ela toda adquirira uma tonalidade alaranjada. Inari fizera sua parte, e aquela arma era seguramente inquebrável.

Quando mais tarde me ajoelhei diante do shogun e lhe ofereci a katana, pude ver sua expressão de cobiça para a lâmina. Ela foi aprovada, com murmúrios de admiração por sua qualidade e seu desenho impecável, e não pude evitar meu sorriso de pura satisfação quando meu pai me parabenizou pelo trabalho sublime.

Naquela noite, comemorei com minha família, mas não deixei de caminhar até o templo e deixar uma solitária pedra alaranjada como as do punho da Kogitsunemaru como oferenda a Inari.

Depois disso, por mais insistentes que tenham sido os pedidos, eu não voltei a forjar outra arma. Na verdade, minha forja se manteve sempre ativa, para criar esculturas de metal que foram muito melhor recebidas pelos outros do que a maioria de minhas lâminas. Aprendi a trabalhar com prata, com cobre e então até mesmo com ouro, quando ele se tornou abundante como nunca esperei, e todos os dias, me lembrava de agradecer a uma certa divindade pelo meu êxito e minha liberdade.


꒰ ͜͡➸ 𝘕𝘰𝘵𝘢𝘴

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