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Conto: O limiar da noitee
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LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998
Uma espiral de fumaça saindo da chaminé deslizava pelo corriqueiro céu da cidade de mil e poucos habitantes em Minas Gerais. A casinhola tosca se espremia entre o cemitério da cidade e um terreno baldio. As duas janelas frontais de madeira apodreciam soltando lascas. A porta de entrada, que nunca era usada, estava trancada inutilmente por um arame fino que passava por dentro das fissuras onde deveria existir uma fechadura. Na cozinha, a velha de ombros caídos colocava a água para ferver em um caneco enferrujado sobre o fogão à lenha. Seu cabelo era grosso e malcuidado, não o cortava há anos. Usava um lenço sobre a cabeleira embaraçada quando saía de casa, mas isso não impedia que as pessoas a olhassem com repulsa. A água começava a borbulhar quando escutou um som de galho quebrando. O fundo de sua casa dava para a mata, por onde passava o rio. Foi à porta e observou as árvores. Tudo o que ouviu foi o canto melancólico de um anu-preto.
Então, algo acertou seu rosto com tamanha força que quase a fez cair de costas. Inicialmente, pensou que tivesse sido atingida por uma pedra, mas notou uma textura gosmenta escorrer pelo seu rosto até sua boca. Sentiu o gosto de ovo. Passou os dedos na pele e os observou úmidos. Ouviu as risadas e sabia do que se tratava. Identificou as três figuras empoleiradas no galho de uma árvore próxima. Sentiu a irritação crescer. Entrou na cozinha enquanto escutava os troncos sacudirem e as gargalhadas peraltas ecoarem.
Pegou um pano de prato, segurou o caneco quente e o levou para fora. Os três garotos já se preparavam para fugir. Um deles pulava por último da árvore quando ela deu alguns passos largos e jogou a água fervendo na direção do menino. Ele foi atingido nas costas. Emitiu um urro antes de sumir na mata.
O jovem chegou em casa molhado. Havia pulado no rio para se livrar da calidez nas costas. Sua pele ardia. Só não se sentia ainda mais traído por seus amigos, que desapareceram, porque só havia espaço para a dor. Estava sem coragem para contar a sua mãe, pois sabia que havia feito algo errado. Não deveria ter jogado ovo naquela mulher. Mas não pensou muito, apenas seguiu os amigos. Foi para frente do espelho e tirou a camisa. Virou as costas e se olhou por cima dos ombros. Sobre sua pele tinha uma mancha vermelha assustadora.
Lembrou-se de quando sua tia, enfermeira, aconselhou sua mãe a colocar o dedo queimado pela panela de pressão embaixo da água fria. Foi para o banheiro e tirou o resto da roupa. Ligou o chuveiro e se enfiou sob a água gelada. Trincou os dentes para não gritar. Não aguentou mais que alguns segundos e fechou a torneira. Correu para o quarto sentindo o corpo gelado, exceto na parte queimada, que parecia cozinhar. Deitou-se na cama com as costas viradas para cima e algum tempo depois adormeceu.
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O limiar da noite
Short StoryUm garoto se perde na própria mente tentando encontrar o caminho de volta para casa.