Capítulo I - Início

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E aqui estou eu, coberto com o sangue de um dos meus amigos, o corte aberto na minha testa começando a arder a medida que o tempo passa, e com a respiração difícil de controlar. O gosto de vômito na boca e a sensação constante de morte sempre voltando... e eu só conseguindo pensar no que me trouxe aqui e em como tudo isso começou.

Era inverno em Londres, e as famílias festejavam a chegada dos feriados. Dava para sentir de longe o cheiro dos biscoitos assando e da fumaça saindo pelas chaminés.
As crianças brincavam nas ruas e os adultos ficavam em casa encubidos de preparar o jantar. Os adolescentes por outro lado, se reuniam em bandos para beber e comemorar, era comum esbarrar-se uma vez ou outra em um jovem bêbado pela cidade.

Minha família, um pouco diferente das outras, reside em um pequeno bairro da cidade. Uma versão pobre dos outros bairros, com casas menores e com preços mais acessíveis, a nossa ainda chega ser a maior se comparada às outras. Não temos muitos enfeites, mas somos felizes assim. Sou filho mais velho, me chamo Edward Miller, tenho 21 anos e não sou muito grande pra minha idade. Minha irmã mais nova, pelo contrário, tem crescido muito desde o último ano, chegando a ser a mais alta dentre as meninas da escola, ela se chama Katherine e tem 19 anos, o que me deixa desconfortável, porque ela é mais alta que eu.

Nossa família fica aos cuidados da nossa tia, Marge, ela quase nunca está triste, sorri até ao levantar da cama. Ela está sempre vestida com um avental e luvas, e faz serviço comunitário para a vizinhança, sendo reconhecida por isso.

Kate e eu sempre andamos juntos, seja nos corredores da casa, ou até entre as ruas movimentadas da cidade. Na escola fizemos grandes amigos, dentre eles Dean e Summer, nossos melhores amigos desde a infância.

Dean era o atleta do bairro, o tipo de pessoa com que eu definitivamente nunca faria amizade, ele era alto e tinha o corpo bem definido, o tipo de adolescente padrão das escolas americanas. Já Summer era o tipo de pessoa com quem todo mundo quer fazer amizade, não era popular igual Dean mas exibia um sorriso que alegrava qualquer um.

Todos os dias nós quatro combinávamos de sair juntos para estudar e em seguida, fazer algo que nos divertisse. Nossos passatempos favoritos envolviam irritar os adultos do bairro, causar tumulto na praça ou beber até esquecermos nossos próprios nomes.

Em um dia como os outros, sem nada de especial aparente, a turma resolveu sair após os estudos para beber na praça, porém Dean e Summer precisavam resolver um problema de família, e não estariam presentes no dia. Kate que sempre percebia quando eu não estava bem, propôs que nós dois saíssemos e voltassemos apenas após todas as lojas de bebidas do bairro já estarem fechadas. Eu, que odeio contrariá-la, aceitei sem pensar duas vezes, ainda que sempre ficasse com um pé atrás quando o assunto era estar até tarde na rua.

- É claro! Será divertido como sempre.

Esperamos o sinal tocar e fomos para os corredores da escola para nos despedirmos de Summer e Dean, mas os dois já haviam saído à um bom tempo e não fomos capazes de encontrá-los.

-Bom, agora é com a gente. - disse Kate tomando a dianteira.

- Vamos estudar onde hoje?

- Que tal na biblioteca pública do bairro? Estou com vários livros que eu gostaria de devolver. - recomendou ela abrindo a mochila repleta de livros.

- Está bem. - concordei rindo.

O caminho da escola até a biblioteca não era muito longo, então chegar lá foi rápido. As mesas estavam vazias e o clima gelado. Ambientes assim me enchiam de sono. Não demorou muito para que eu começasse a bocejar.

- Ei, acorda! - disse Kate em voz baixa. - temos que terminar nossas atividades.

Terminamos tudo e fomos em direção a praça. Gostávamos dela porque foi onde conhecemos Dean e Summer e onde nos tornamos amigos desde então.

Tia Marge estava ajudando no jantar comunitário da cidade então era de se esperar que ela chegasse tarde da noite.

Ficamos na praça até anoitecer, perdemos a noção do horário e quando olhamos já eram 23:30h. Havíamos bebido um pouco com os outros adolescentes que encontramos por lá, eles foram uma ótima companhia até irem embora e ficarmos só nós dois conversando e rindo.

- Puta merda! Esquecemos completamente do horário. Tia Marge deve estar preocupada.

As ruas estavam vazias, não se podia ver um ser vivo transitando por esse horário. Estávamos apressados para chegar em casa, pois morávamos a uns 30 minutos de distância da praça e nossa tia já deveria ter chegado.

Caminhamos um pouco até faltarem somente umas três ruas até a nossa. Já era quase meia noite e o silêncio das ruas era arrepiante.

- Está ouvindo isso? - Perguntou Kate apontando pra uma das esquinas atrás de nós.

- Acho que você está vendo cois-...

Não sei o que me aconteceu, mas naquele momento senti um incômodo no pescoço e em seguida tontura. O chão e as ruas ao redor estavam girando. Eu conseguia ver um borrão comprido que acredito ser minha irmã.

Meu corpo ficou mole e pesado e eu não pude mais me manter em pé. Caí no chão como uma maçã cai de uma árvore. A minha visão turva estava cada vez mais escura e as ruas que giravam só ficaram imóveis, como um quadro. Era como se o tempo tivesse resolvido parar mas a minha mente ainda estivesse a todo o vapor.

Minhas pálpebras começaram a pesar a tal ponto que eu não conseguia mais ver borrão nenhum. Fechei meus olhos já inúteis e tentei ouvir tudo o que conseguisse.

Já quase desmaiando eu consegui escutar passos e grunhidos altos, como se alguém tivesse se engasgando. Antes de perder a consciência de vez ouvi o barulho das rodas de um automóvel acelerando como se estivesse fugindo de algo igual os dos filmes.

Lágrimas escorriam dos meus olhos fechados, e gemidos do interior da garganta ecoavam pela rua. Eu estava em choque, minhas reações eram chorar e gemer. Deitei na calçada sentindo que iria morrer.

"Eu não quero morrer! Não agora."

Já sem força senti toda a energia do meu corpo se esvaindo até tudo apagar de vez.

Foi a última vez que vi minha irmã.

Ao soar da meia noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora