Capítulo 2

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  Os seguintes meses se passaram rapidamente, e nesses dias, os Johnsons fizeram questão de partilharem seu tempo juntos. Eles visitaram cidades famosas pela Inglaterra, acamparam nas florestas e bosques e fizeram muitos piqueniques, tudo em prol de Christine. Esses longos meses foram os melhores para a ruiva, que tanto sonhava em sair de seu quarto e de sua casa para poder explorar o mundo. Inicialmente, ficou meio acuada, aflita por ver várias pessoas por aqui e ali, mas como seus pais estavam com ela, não se preocupou tanto, sem falar que, desde pequena sabia bem esconder o que sentia através de sua face calma e indecifrável. Não era difícil arrancar um sorriso da jovial, mas era difícil arrancar um sorriso sincero e, ainda mais, compreender ela. Num desses passeios, Chris teria visitado uma praça bem movimentada, e nesse dia específico, ela estava bem mais agitada que o normal, apesar de não mostrar através de sua face e sim em suas atitudes, como por exemplo: colocar sua face contra as vitrine de inúmeras lojas, visando admirar as roupas, acessórios, pratos, entre outros; seu jeito de andar também demonstrava sua agitação que, de lentos e calmos passos, passaram a ser rápidinhos. Ela ia de pessoa a pessoa, perguntando sobre suas histórias e todas elas confusas e até a olhavam com certo nojo, mas nada disso a abalava. Por conta de seus chamativos cabelos, Christine Johnson, muitos olhavam para Frederick e começavam a fofocar, trocando olhares com outras pessoas que também pareciam estar falando sobre a família Johnson. "Aquele homem certamente fez sexo com outras mulheres! Olhe a filha dele!" era o que as mulheres diziam, "Tenho pena daquela jovem mulher! Ter que aguentar uma filha que não era sua e ainda saber que seu marido provavelmente a traiu... Que lástima!" era o que os homens diziam. Certamente, eles escutavam tudo, já que as pessoas dali pareciam mais afim de que os quatro ali ouvisse cada palavra e então sentisse a mais pura vergonha, só que uma coisa eles não esperavam: a família seguia calma e de cabeça erguida, pois eles sabiam pelo que passaram e não tinham vergonha de nada, nem mesmo de sua filha. Frederick não precisava se afirmar, dizendo que era pai de Christine, afinal, ele não devia satisfação alguma para cada um ali, assim como Merilda não devia se explicar para ninguém ali, até mesmo Christine, que nunca passou por uma situação como aquela, ligava para os comentários bobos que eram aplicados em si e sua família, pelo contrário, estava feliz que seu cabelo chamava atenção, já que sempre pensou que nunca se destacaria entre as pessoas. Uma idosa se aproximou da garota de cabelos avermelhados e, sem mais nem menos, pegou-a pelo braço e encarou seus olhos. As duas ali ficaram se entreolhando, com a garota de quinze anos sem entender nada, enquanto a idosa a reprovava com o olhar.

-- Sinto que me reprova, madame. Mas por que?

-- Sua... Aberração!

-- Aberração? Minha mãe diz que aberrações são apenas contos para fazerem crianças malvadas se comportarem. Não sou um conto!

-- Você é uma aberração! Provavelmente veio de uma infidelidade! Se eu fosse você, arrancaria meus cabelos! 

-- Arrancar meus cabelos? Ah, não posso. Eles me são muito preciosos, até diria que eles são "meu coração".

  Frederick, vendo e ouvindo aquele acontecimento, apenas segurou firmemente as mãos de sua esposa, enquanto a mesma olhava seu marido, esperando ele tomar uma atitude. Os dois ali trocaram um simples olhar e então já se entenderam, deixando a adolescente se virar naquela situação, mas qualquer sinal de agressão, o pai da garota partiria pra cima sem pensar duas vezes.

-- Pare de besteira!! Não tem vergonha de você mesma?! Olhe para as outras garotas da sua idade! Todas com cabelos lindos e pretos! Amarrados de formas tão únicas e distintas!

-- Elas são elas, e eu sou eu. Não quero ser mais uma dentre várias. Quero me destacar. A madame não me entenderia, já que, quando olho para você e para as outras inúmeras senhoras aqui, não sei diferenciar quem é quem. Se não gosta do meu cabelo grande, solto e ruivo, não irei mudá-lo para agradá-la. Agora, se me der licença, eu gostaria de continuar o passeio com a minha família.

-- Sua... Bastarda!

-- A madame se porta com joias, roupas de alto custo e mesmo assim usa palavras de baixo calão ao invés de tentar conversar? Quem a senhora pensa que é e tenta parecer ser? Talvez não seja eu quem deve pensar se é ou não uma filha bastarda.

  Dava um sorriso calmo e se aproximou de seus pais após dar alguns passos para trás e então puxar seu braço, fazendo a idosa perder o equilíbrio, só não caindo graças a bengala que usava. Anastásia foi correndo até a garotinha, checando se ela estava bem, apenas não tendo agido antes por ordens superiores. O que a família não esperava era que a idosa,  com uma raiva ainda maior, cuspiu no chapéu que a empregada da família usava e a ofendeu, chamando-a de "escrava" por conta de seu tom de pele escuro, o que desencadeou uma raiva nos três membros da família, que tratavam Anastásia com muito amor e carinho, sendo da família mesmo e não uma funcionária qualquer. Eles levaram o caso para a polícia, arrastando, literalmente, a idosa até o local e assim explicando o ocorrido. Não demoraram para cumprir seu serviço e, após esse dia, ficou bem claro como a sociedade estaria naqueles dias: mais nojenta que o normal. Depois desse infeliz acontecimento, decidiram fazer algumas compras para animar Anastásia que ficou abalada, não por ter sido cuspida, e sim por ter sido ofendida daquela forma e desnecessariamente. Compraram roupas e acessórios para ela, e isso levantou a moral dela, que abraçou todos ali e agradeceu imensamente. Já tendo anoitecido, voltaram o hotel onde estavam hospedados, tendo certeza de que não foram seguidos. No natal daquele ano, eles comemoraram em casa, ao lado da grande lareira que possuíam, com vários quadros pendurados aqui e ali, possuindo tanto pinturas da família assim como desenhos de Christine, que o pai fazia questão de exibir. Diferente de muitos pais, ele não era carrancudo com sua filha, pelo contrário, era muito amável, mas tinha dificuldades para demonstrar isso através de expressões faciais e até com gestos, mas vez ou outra, ele deixava isso aparente. O motivo dele ser assim foi a sua criação muito rígida e até um pouco problemática por conta de seu pai e, não querendo ser como ele, Frederick se tornou um bom pai, mas sendo reprovado e muito pelo seu pai. Naquele dia especial para todos, trocavam presentes entre si, estando apenas os quatro comemorando tal dia naquela imensa casa. 

-- Papai, papai, podemos enviar um presente para o senhor Antônio Cesar? 

-- É claro, minha filha! É uma boa ideia, de fato. Quer escolher o presente comigo?

-- Eu adoraria, papai!

-- Então vamos!

    A filha então, juntamente de seu pai, decidiram ir numa loja de roupas famosa na cidade. Como ainda era tarde, por volta de dezessete horas, alguns estabelecimentos estavam abertos. Adentrando então a loja que combinaram de ir, olharam e olharam vestes que talvez o doutor Antônio Cesar iria gostar. Decidiram comprar dois ternos, um preto e um marrom, algo que combinava com o doutor e que parecia gostar, já que no dia que visitaram os Johnsons ele estava trajado com um. Após pagarem, eles saíam da loja com um sorriso em seus rostos, com Christine fazendo questão de carregar a sacola em suas mãos. Era noite agora, então era possível ver alguns acendedores executando seu trabalho, dando luz as ruas, mas mesmo assim, tendo luz ou não, havia muitos perigos espreitando cada canto da cidade. Frederick fazia questão de manter sua filha próxima de si, olhando ao redor com cuidado, enquanto caminhava com certa pressa

-- Sinto que estamos sendo observados...

-- Por quem, papai?

-- Eu não sei... Talvez um ladrão...

  Virando  a esquina, o que ambos não esperavam era se encontrar com o filho da idosa que agrediu Chris ao segurá-la e ofendeu após cuspir em Anastásia. O mesmo portava uma faca em suas mãos e berrava com o homem, parecendo ter o seguido desde que saíram de casa. Frederick afastava sua filha enquanto gritava com o homem e gritava por ajuda, mas quando abaixou a guarda, o outro ali fincou a faca no pescoço do pai da garota, que se encontrava em prantos enquanto gritava. Os moradores locais saíram de suas casas e foram olhar o que aconteceu, com o assassino fugindo pelos becos. A morte de Frederick Johnson foi anunciado no jornal, enquanto a família Johnson se encontrava no enterro de Frederick. Christine nunca chorou tanto em sua vida como naquele momento, já Merilda tentava se segurar. Anastásia chorava juntamente de Chris, mas se preocupava em consolá-la mais do que tentar se consolar. Todos que estavam no enterro do falecido pai eram parentes, funcionários, amigos, colegas e até alguns rivais que gostavam muito de Frederick e outros que o odiavam mas que sentiam pena de como o homem morreu e pelo fato dele ter ido cedo. O mais triste disso tudo, era ver como a vida continuava mesmo com a morte de um ente querido para a família. Era estranho ver pessoas sorrindo, se divertindo, enquanto a família passava por esse luto. Merilda Johnson virou motivo de piada e ela começou a se embebedar, sobrando para Anastásia cuidar de Christine, dela mesma e da sua superior. Então, chegou fevereiro, e sem Christine saber, sua mãe havia se casado com um desconhecido, até então, para a garota dos fios ruivos. 

-- Querida! Querida! Tenho ótimas notícias

  Christine havia apresentado melhoras, enquanto sua mãe só parecia piorar graças a bebida e o luto que não soube lidar, se tornando uma mãe muito ausente. A garota, que se encontrava na sala de estar juntamente de Anastásia, se levantava e ia até a entrada da casa, estranhando ao ver o estranho abraçado a ela

-- Agora estou casada, sabia?! Isso não é o máximo?! Esse é seu novo padrasto, o senhor Charles Williams! Por tanto, agora somos da família Williams.

-- Mamãe... Por que não me contou sobre  tudo isso antes?... Eu me recuso. Me recuso a retirar o nome Johnson. Com todo respeito ao senhor Charles, mas ele não é meu pai. Nas minhas veias, correm o sangue de Frederick Johnson, um dos resquícios de sua existência, e também corre seu sangue. 

-- O que está dizendo, garota?! Seu pai morreu! Seu nome agora é WILLIAMS! Entendido?

--... Mesmo morto, meu pai foi mais presente que você que, ainda viva, se ausentou numa parte muito difícil para mim. Anastásia foi mais mãe do que você uma vez já foi. Não pense que sou ingrata pelas coisas boas que fez para mim, pelo contrário, me lembro bem delas e sou feliz e muito grata, mas minha mãe, minha verdadeira mãe, morreu juntamente de meu pai, pois essa que vejo é apenas uma cópia sombria dela.

  Charles assistia àquele conflito calado, pois sabia bem que não era hora de falar, mas quando viu Merilda levantar a mão para bater na sua filha, ficou chocado ao ver como ela tratava a garota que parecia ser tão sofrida. Christine poderia correr, mas aceitou aquele tapa em seu rosto, ficando a marca em sua bochecha. Lágrimas começaram a sair de seus olhos, mas ela não produziu som algum, apenas permitindo as lágrimas caírem como reação.

-- É assim que diz que me ama? Que sente muito? Me batendo? Quando estava caída no chão, dormindo após tanto beber, quem acha que cuidava de ti? Exatamente, eu e a Anastásia. Se tornou uma mulher ingrata, frívola e desesperada. Não soube lidar com a morte de meu precioso pai e por isso teve que morrer ao lado dele, não foi? Então deixa eu te lembrar uma coisa, mãe... Mortos não interagem com os seres vivos. 

  Dizendo isso, se virou e pediu desculpas ao Charles, saindo de perto do homem e indo até a sala de estar, voltando a brincar com Anastásia, só que ao ver o rosto marcado, ficou assustada e começou a tratar da vermelhidão. O padrasto agora estava um tanto pensativo, se perguntando quem era realmente Merilda após a morte de Frederick. A empregada então  perguntava cada detalhe do ocorrido e Christine disse tudo, sem esconder nada e cada detalhezinho. Ela ficou grata por ter sido chamada de mãe, já que amava Christine e muito, mas ficou triste pelo fato dela considerar que sua mãe verdadeira morreu.

-- O que fará agora, senhorita Christine?

-- Eu?... Continuarei minha vida, Anastásia... Apenas continuarei. Quando eu me casar, irei levá-la comigo, se é que vou me casar... Com a minha "mãe" por perto, sinto que as coisas vão ser difíceis, e em relação ao Charles, ele não vai mexer comigo, já que ele só está aqui por conta de minha mãe e não por conta minha também. Dá pra perceber que ele deseja apenas Merilda e não a nós, sabe?... E Anastásia, gostaria de saber... Você será uma Williams ou Johnson?

-- É claro que serei uma Johnson, senhorita Christine! 

-- Espero que esteja falando sinceramente... Não desejo perder a última membra de minha pequena família... 

-- É claro que falo sinceramente! Somos uma família agora, como uma mãe e filha... A-ah! Desculpe... A-acabei pensando alto demais...

-- Não tem problema... A partir de agora, será a minha mãe, se não se importar.

-- C-claro! Eu fico lisonjeada com isso, s-senhorit-...

-- Não se refira a mim mais como "senhorita"... Me chame pelo nome, ou pelo meu apelido que me der, ou até mesmo me chame de filha, por favor.

-- A-ah sim! Farei isso então, senhori- Q-quer dizer! Minha amada filha.

  E com aquilo, Anastásia gentilmente beijou a testa da Christine que então exibiu um sorriso sincero, abraçando sua mais nova mãe fortemente. Naquele momento, Merilda e Charles estavam no quarto, gerando o que seria o futuro meio-irmão de Christine Johnson.

  Teria chegado 5 de Março de 1855, uma segunda-feira, nos dias anteriores, não melhorou sua relação com os Williams, pelo contrário, só piorou, enquanto Chris melhorava bastante com Tásia, o apelido que a garota dos fios de cobre inventou para sua querida e nova mãe. Naquela segunda, a jovial iria para a escola, estando agora, no que seria, o segundo ano do ensino médio. Ela estava tensa, já que nunca foi para a escola e o que sabia foi tudo graças aos professores que foram pagos para ensinar a garota. Como possuía uma "condição especial", um termo que Christine odiava, tinha que ter algum auxiliar, e para a felicidade da garota, sua própria mãe era quem iria a acompanhar. Tásia passava o tempo todo ao lado da garota por pedido dela, seja nas aulas, seja no banheiro, seja no intervalo, e isso alegrava a menina, mas como o ser humano nunca foi, nunca é e nunca será contente com nada, sem falar a maldade deles, é claro que haveria alguns colegas que iriam caçoar da menina, seja por sua condição, pelo fato de sua mãe a acompanhar todos os dias e pelo fato de Anastásia ser de outro país assim como por ser negra. Num dos intervalos, Tásia se sentou ao lado de Chris e meio deprimida, perguntou

-- O-olha, minha querida... Não acha que seria melhor... Bem... Você arrumar outra pessoa para ficar ao seu lado? P-pois sempre que estou ao seu lado, és caçoada e-e...

-- Mãe, está tudo bem, tá? Você sabe bem das coisas que já me chamaram aqui e até aquele episódio de quando você foi ofendida e eu fui agredida. Eles não sabem das coisas que passei, das lutas que tive desde pequena, então os comentários deles são nada perto da dor que enfrentei e talvez ainda enfrento.

-- É verdade... Obrigada, minha filha! Certamente és uma menina crescida, mais crescida que seus colegas.

-- Obrigada, mamãe! 

  Ambas se abraçaram ali, uma acariciando a outra enquanto trocavam beijinhos em seus rostos, sem se preocuparem, pelo contrário, queriam mostrar o amor que uma sentia pela outra, um amor de mãe que muitas outras mães não tinham com seus filhos. Por conta daquele ato, teria desencadeado algo terrível. Na hora de ir cada um para suas casas, os mesmos colegas que caçoavam de Chris a aguardava na frente da escola. Quando a menina saiu pela porta de entrada, eles partiram para cima da jovial, pegando em seus cabelos e o puxando com força e brutalidade. Anastásia, que estava ao lado, se assustou e começou a bater nos meninos que faziam aquilo, sem se preocupar com mais nada. Tásia, que os machucou e feio, viu-os correr para longe enquanto choravam, enquanto Christine Johnson estava desacordada no chão, tendo alguns fios espalhados pelo local. Choros e berros de desespero eram ouvidos por toda a rua e escola, tanto que até alguns professores foram checar o que estava acontecendo. Com dificuldades, a mãe explicou o ocorrido e então levaram a menina no hospital mais próximo, acabando por ver a menina, basicamente, internada. Se passaram dois dias desde esse acontecimento e nada de Chris abrir seus olhos, mas quando chegou o terceiro dia, finalmente ela demonstrou algum sinal de vida. Sua pálpebras se levantaram lentamente, visando reconhecer algo ali. Não se lembrava daquele lugar, virando então sua cabeça para o lado e, abrindo um fraco sorriso, se deparando com Anastásia que estava com os olhos arregalados. Abraçava a garota fortemente, tomando cuidado ao mesmo tempo, com muitas saudades da menina.

-- Minha filha! Minha filha!! Finalmente você acordou!! Como você está?! Por favor, me responda!

  A menina soltava fracos e baixos risos, não conseguindo responder devido a sua fraqueza. Soltando-a, arrumaria a coberta e faria perguntas como "Você sente frio?" "Sente fome ou sede?" "O travesseiro está confortável?", tudo sendo respondido com um demorado balançar de cabeça, seja para um "sim" ou "não". O doutor, que entrou alguns minutos depois, disse que ela iria melhorar se ficasse descansando mais alguns dias, então se retirando do lugar.

-- M-me desculpe, Christine... Eu não queria que nada disso tivesse acontecido com você... 

-- N-não... Não se desculpe, mãe... Não é sua culpa... E-estou feliz p-por você ter me defendido...

  Ela sorriu fracamente, alisando a mão de Anastásia, enquanto a maior ali parecia precisar descansar. Meio incomodada e pensativa, suspirou e, dando um sorriso forçado, disse

-- Sabe, Chris... Quando eu te protegi alguns dias atrás... Machuquei alguns meninos da sua escola... Mesmo explicando o ocorrido, a polícia decidiu me prender... Eles só não me prenderam ainda pois eles entenderam a situação... Como os meninos vieram de uma família rica, o dinheiro facilmente comprou os policiais, entende? E pelo fato de ser negra e de outra nacionalidade não ajuda nada, sem contar que Merilda me odeia, então ela também não ajudou e, pelo contrário, piorou minha situação. 

  Ouvindo aquilo, Chris poderia ter chorado, gritado de raiva, mas ela se manteve calada e pensativa. Seus olhos estavam observando o nada, parecendo até que ela ignorou tudo que Anastásia disse, mas sua mãe sabia quando sua filha a ignorava sem querer, por querer e quando estava pensativa.

-- Quando eu melhorar... Fugiremos daqui, mãe.

-- O-o que?!

-- Quando eu melhorar, iremos dar o fora dessa cidade. Após a morte de meu pai, tudo ficou ruim para nós duas... Só você que ainda não se corrompeu... E não quero que isso aconteça. Provavelmente, quando for presa, irá ser abusada, e nem vem me olhar com essa cara de "Como você sabe sobre sexo?" pois eu já estudei em meus livros sobre isso... Enfim... Não quero um destino como esse para você. Fugiremos, querendo você ou não. Apenas quero preparar uma mala ou alguma coisa do tipo, odiaria te ver com fome.

-- M-mas...

-- Sem "mas"... Será isso ou você pode ficar com os Williams, pois partirei sozinha. Eu a amo muito mas não mando em ti mais, pois és a minha mãe, não minha empregada. E então? Irás comigo ou prefere ficar? Leve o tempo que precisar para res-...

-- Eu vou com você!

-- Certeza??

-- Que tipo de mãe abandona a filha?... É claro que tenho medo e tudo mas se você quer isso, então faremos isso. Estarei onde você estiver, se lembra?

-- Claro que sim, mãe.

  Ambas sorriram e suspiraram ao mesmo tempo, e após duas semanas, Christine e Anastásia Johnson estavam preparando suas malas e dinheiro para viajar à outro país ou cidade, pretendendo ir a Portugal, Brasil, ou Estados Unidos. Com tudo pronto, elas marcaram de sair cedo no outro dia, mas não contavam que os pais que tiveram seus filhos agredidos por Tásia simplesmente botassem fogo na mansão Johnson que agora seria Williams. A primeira que acordou foi Anastásia, sentindo o cheiro do fogo. Sem entender, olhou através da janela e viu a casa começar a pegar fogo. Com o coração à mil, foi até o quarto de Christine e acordou a menina, explicando o que estaria acontecendo. Na reação, a ruiva pegou suas malas e disse para sua mãe acompanhá-la, então começaram a correr até chegar na cozinha. Lá, tinha uma passagem secreta que, empurrando a mesa que ficava no local, revelava um túnel. Elas entraram por lá e começaram a andar para frente, mesmo sem enxergar nada. Finalmente chegando no final do túnel, elas viriam a luz da lua iluminar totalmente o local que estavam, dando numa floresta um tanto longe de casa. Ambas em pé, observavam a casa ser engolida pelas chamas, escutando lá de longe os barulhos da madeira sendo queimada  caindo sobre si mesmas, desmoronando tudo. Naquele dia, Charles e Merilda estavam jantando fora, não morrendo por pura sorte. Muitas coisas foram perdidas, até algumas malas que pretendiam levar, mas outras estavam salvas. Nas quatro malas que Chris e Tásia levaram, com cada uma tendo um par de malas em mãos, estavam roupas e comida, o necessário para se sobreviver numa floresta.

-- Parece que nosso plano de fugir foi adiantado, mãe.

-- Infelizmente sim... Havia tantas coisas que eu queria levar... Seus livros, bonecas, cobertores, acessórios...

-- Não se preocupe, mãe. Só de estarmos juntas e vivas é o suficiente para mim... Imagino que devemos ir agora para algum lugar dessa floresta. Conhecendo meu pai, deve ter uma cabana aqui por perto.

  As duas então, com suas malas, caminhavam em linha reta, tentando não fazer muitos desvios e sempre voltando a andar para frente. De fato, havia uma cabana ali na floresta, que parecia estar abandonada. Adentrando ela, teria uma cama macia e confortável mas apenas para uma pessoa, também teria uma lareira de pedra e um tapete. Era uma cabana pequena e de emergência, mas o suficiente para as duas.

-- Obrigada, pai. Mesmo descansando eternamente, ainda cuida de nós...

-- Agradeço também, senhor Frederick...

  Colocaram as malas debaixo da mesa e então Chris se virou para Anastásia, dizendo

-- Se importa em dormir comigo hoje? Como pode ver, só há uma cama para nós duas. Não importo de dormir no chão, no entanto.

-- É claro que não me importo! Na verdade, eu sempre quis dormir abraçadinha com você, sabia?

-- Sério? Bem, eu também, confesso. Então vamos continuar a dormir. Ainda estou cansada...

-- Também estou, querida. 

  E elas se deitaram juntinhas e encolhidas num abraço fofo e quentinho, com uma coberta macia as cobrindo. Naquela noite, os Williams não voltaram para casa, decidindo fugir das Johnsons, ficando mais três dias fora, sem saber também que a mansão havia pegado fogo.

A menina dos fios de cobreOnde histórias criam vida. Descubra agora