Ela anda muito devagar, faz trinta minutos que estamos andando pela cidade. Passamos na frente de diversas casas e prédios, lojas de roupas, locais de construção, e acredito que não estamos perto de sua casa pois ela não para de andar.
Pelo menos o livro dela começou a se reescrever. Ele tem estado muito agitado desde que ela começou a caminhar novamente. Quero muito ler, mas preciso ver a Lua. Quando ela chegar em sua casa, e eu ver que está segura, posso dizer a Lua tudo o que aconteceu.
Nunca lidei com os vivos. Mas já fui um. Há muito tempo, quando a terra conhecida era pequena e as distâncias eram longas demais. Eu caminhava por aí com os mesmos sentimentos que os mortais carregam consigo.
Eu era um órfão, que foi levado como escravo, um ninguém por boa parte da minha vida. Só pensava no que ia conseguir encontrar para comer ou se dormiria ao relento novamente. Até que conheci um Demônio sem nome, que disse que eu seria o homem mais rico e poderoso do meu tempo, contanto que eu fizesse a ele um favor.
Quando fiz o que o Demônio pediu, eu me arrependi, e nunca cheguei a ver o poder e a riqueza que outrora me foi prometido. Meu coração gelado doeu quando eu li as palavras no papel fino do livro amarelo. Tão pequeno e delicado quanto o corpo que aquela alma residia. Muito mais baixa que eu, pode ser que bata um pouco antes do meu ombro, cabelos tão compridos e selvagens. E possuía os olhos no tom verde escuro mais lindos que eu já vira. Não consegui olhar para o resto do rosto, e agora só vejo suas costas e o caminhar vagaroso não tão diferente das palavras que havia lido em seu coração.
Eu sei que ela sabe que eu estou a seguindo. Ela é a única que pode me ver. Talvez alguns humanos que enxergam sob o véu também possam, mas ninguém me olhou assustado ainda, então, vou considerar que eu estou invisível, menos para ela. O que me deixa ansioso. Será que ela me mandará embora e terei que vigiá-la nas sombras? Ela me convidará para entrar em sua casa? Terá perguntas? Eu sei que ela nunca deve ter visto um homem alado antes, lido em livros sim, mas visto um que a salvou de uma queda? Não.
Ela me agradecerá por salvar sua vida, ou me mandará embora sem dizer mais nenhuma palavra? Tantas perguntas. Quero todas as respostas para agora, mas sou paciente. Continuarei dando um passo enquanto ela está terminando o quinto. O resto da minha vida eterna será isso, andando numa avenida sem fim? Onde diabos estamos afinal?
Procuro uma placa na rua e finalmente noto o espaço ao meu redor, estamos parados esperando algo acontecer que faça essas coisas sob roda pararem. Não me sinto seguro aqui. Tenho certeza que essa coisa enorme que faz um barulho alto - e que muitas pessoas entram - atropelar Aurora, ela morre. Como chegamos aqui afinal? Uma caixinha com um homem com os braços colados ao corpo brilhando em vermelho começou a piscar, e deu lugar a um homem brilhando em verde com a perna aberta. Aurora começou a andar. Que tipo de magia visual era aquela?
As grandes cidades haviam mudado muito. Nunca tinha visto esses prédios espelhados. Não visito o Reino Humano há quanto tempo mesmo? Última vez que eu tinha vindo foi talvez em 1902 ? Tanto tempo havia se passado.
Estávamos chegando numa grande loja com um M gigante em amarelo. Conseguia sentir os cheiros que emanavam do lugar antes mesmo de entrar. Mas eram tantos cheiros novos que estava me deixando confuso. Um demônio perdido no mundo de suas presas, ridículo.
Aurora abriu empurrou as portas duplas com uma certa dificuldade. Logo ao entrar no lugar que parecia ser um restaurante um pouco esquisito. Grandes retângulos brilhantes se encontravam em fila, e foi exatamente para o primeiro retângulo que a mulher foi.
- Você come? - ela perguntou sem olhar para trás.
- Sim e não.
- O que come? - mais uma pergunta sem olhar para mim.
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Cidadela Estrelada
FantasyAurora descobre que o seu destino está entrelaçado com um demônio. Assustada, ela faz de tudo para fugir e reescrever o seu destino. Mas será que ele vai permitir?