Capítulo 1 - Livro Amarelo

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Neste exato momento eu gostaria de estar morto. A Lua Crescente está olhando para mim e eu simplesmente não consigo mais lidar com esse seu olhar de julgamento. Eu falhei, novamente. Perdi a porra da alma para o belíssimo e irritantemente perfeito, Gabriel.

- Nathaniel, você sabe o que isso significa ? - A Lua em seu trono diz baixo o suficiente para somente eu ouvir, mesmo nesse grande salão. Seus olhos prateados são gentis quando expõe o seu veredito - Você precisa mudar, e somente alguns anos com os humanos farão mudanças significativas.

O mundo humano não, cuidar de um humano não. Tudo menos isso. Acredito que eu demonstrei tamanha agonia em meu rosto que a bela Lua começou a chorar. Sua pele pálida refletia a corrente de lágrimas que saiam de seus olhos.

Jamais poderia imaginar como é. Ser um empata de tal nível. Todos nós da Cidadela temos nossos dons, que nos fazem únicos diante do Sol. Cada um com a sua singularidade. A Lua, nossa majestade, praticamente a mãe de todos nós, sentia cada parte do nosso ser. Ela sentia a minha agonia, aceitava e chorava comigo por ela. Eu a odiava por isso, sentir tanto de mim, e ela sabia disso.

- Majestade, por favor, tenha misericórdia de mim - eu ajoelhei e coloquei minha testa no chão frio de pedra - sou apenas um demônio tentando exercer o meu trabalho. Não cuido de humanos, isso é exclusividade dos anjos menores. Eu entendo o meu castigo e acredito que podemos encontrar uma nova maneira para eu ser castigado.

- Não há outra maneira Nathaniel - ela disse se levantando, e por mais pequena que fosse, sua postura faria qualquer um estremecer com tamanho assombro - cuidará da vida de Aurora.

Levantei rapidamente da minha posição. Ridículo, isso era ridículo. Cuidaria de uma mundana, quando o meu trabalho, do qual eu nasci para fazer, ver o cerne de todo e qualquer ser, fundamental para cuidar da punição das almas perdidas. A porra do meu dom. Foda-se a Lua, foda-se o Sol, foda-se a Aurora. Mataria Gabriel, roubaria a merda da alma e colocaria no fundo mais escuro dos nove infernos.

- Guarde toda essa raiva para você - Lua disse olhando nos meus olhos - já tem o seu veredito e eu mandarei minhas Caçadoras vigiarem você. Cuide da menina Aurora. Não falhe, mas vindo de você difícil, talvez eu devesse mandar Gabriel cuidar dela.

Um sorriso fraco apareceu em seus lábios, mostrando rapidamente suas presas pontiagudas. Um demônio velho como eu, que ajudou a construir o jardim suspenso do antigo mundo, sabia reconhecer o fim de uma conversa. Gostava da minha cabeça no  lugar.

Tentaria cuidar de Aurora. Merda. Quem era Aurora?

Saí da sala sem reverência alguma. Eu era um príncipe afinal, tinha todo direito de não me curvar. O vento da Cidadela dizia todas as novidades, Gabriel recebendo mais uma estrela em sua coroa, um anjo quebrou a perna no treinamento, Lua resmungando na sua solidão perfeita, as estrelas sussurrando, queria apagar tudo. Foda-se o vento também. Corria entre as ruas estreladas logo acima de tudo o que pode ser visto no universo. As galáxias aos nossos pés, tão tão pequenas e brilhantes, cada rua com casas à necessidades de seus moradores. Palácios, casebres, árvores, tudo misturado, de diversos tempos mas tão bonito e conectado. Cidadela era sempre aconchegante independente da onde você tenha vindo. 

Corria em direção a biblioteca dos vivos. O grande Palácio de madrepérola. Contendo todas as vidas existentes. Tudo aqui era feito de bom grado, os humanos acreditavam que o paraíso era dessa forma, então, quanto mais deles vinham, mais paz traziam também. Sempre ficava sem fôlego quando entrava no palácio,  os do inferno também eram bonitos, mas toda vez que se abria um livro sobre qualquer assunto, a língua automaticamente mudava. Então, ninguém poderia lê-los. Não com facilidade, alguns insistiam em aprender mais e mais idiomas, mas quando aprendia, o livro mudava. Uma piadinha do inferno. Tive que aprender todas as línguas. 

Cidadela EstreladaOnde histórias criam vida. Descubra agora