Conto: As duas irmãs.

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Aviso: esta história contém menções ao suicídio, autoflagelação, morte e derivados, além de palavras de baixo calão. Se você for sensível em relação aos tópicos citados, por favor, não leia.

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Era uma vez, duas irmãs, Culpa e Tristeza. Elas andavam sempre juntas, de mãos dadas como se fossem a mesma pessoa, quase inseparáveis, totalmente confundíveis.

As irmãs têm vários conhecidos, "amigos" do peito e inimigos próximos. Também existem aqueles que se sentem desconfortáveis em sua zona de conforto, o fundo do poço, mas por não conseguirem sair dela, recebem as irmãs em sua casa, aceitam, abraçam. Esses são os desesperançosos, aqueles que já se cansaram há muito tempo: os miseráveis.

É como dizem: "miséria adora companhia"; E eu sou o sinônimo de miserável. Por isso recebo suas visitas de forma constante. Não sei muito bem quando ou como isso foi acontecer, em que momento eu deixei de me importar o suficiente se vinham aqui para algo além de só beber água. Num instante, elas só começaram a aparecer, sem fazer questão de eu lhes receber e, de repente, não sei como, elas tinham a chave, entravam e saíam a hora que quisessem.

Em passos sorrateiros uma das irmãs vai se aproximando, meu quarto começa a esfriar e sua presença se materializa quando seus dedos frios tocam meus ombros, me segurando, me paralisando. Sem aviso prévio, suas mãos deixam meus ombros e congelam meu pescoço, me puxando para si, para seu corpo gelado, frio como o de um cadáver. Ela sussurra palavras horríveis em meu ouvido.

A outra irmã chega pela frente, não faz questão de me surpreender, é uma velha amiga. Se aproxima me olhando nos olhos, não quebrando o contato. Suas mãos tocam meu rosto, desenhando cada detalhe, queimando minha pele. Ela é quente, não um quente caloroso, mas um quente abafado, tórrido. É o próprio inferno. Ela sorri para mim, um sorriso infeliz, um sorriso penoso.

Olhando bem em meus olhos, ela enxerga meus medos mais sombrios e decide os trazer à tona. Seu calor derrete meus medos. Meus traumas. Minhas inseguranças. Transformando tudo em dor líquida, que sai de meus olhos. Quero pedir para pararem mas sinto um nó na garganta, um nó frio e que se aperta mais a cada vez que respiro.

A dor é como a água de praia. Exceto pelo fato de que na verdade a água é amarga, e que nessa praia não tem sol, está chovendo e trovoando e eu estou me afogando. Mas eu não morro, não, elas não seriam tão misericordiosas assim. A irmã fria a convence a me deixar ali, com medo. Muito medo. Sem saber exatamente o porquê.

É porque eu vou morrer? Não. Não é isso, eu não tenho medo de morrer e elas sabem muito bem disso. Reconhecem que sou uma desistente. Então não, eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo de viver. De sofrer eternamente com apenas alguns grãos momentâneos de felicidade. De conviver eternamente com esses sentimentos e sensações confusas dentro de mim.

Se existirem outras vidas, por favor, que eu consiga ser inteiramente feliz em alguma delas. Não quero mais viver na escuridão dos meus próprios tormentos. Não quero viver de grãos. Eu não quero. Eu não aguento mais. Mas eu não consigo fazer nada e, quando faço, não é o suficiente.

É difícil viver com a vontade constante de morrer. Com a vontade constante de parar de respirar. E é mais difícil ainda não conseguir isso. É difícil torcer para alguém fazer esse trabalho por mim, já que eu não tenho coragem o suficiente.

São tantos remédios prescritos. Tantos remédios mantidos. Reunidos. Apenas esperando. Esperando até ter o suficiente para finalmente serem engolidos. Nota mental: três não são o suficiente. Quem sabe mais um? Ou mais quatro junto com os outros dois e mais os três iniciais? Finalmente tirarei nota dez.

As irmãs gostam de ver esse espetáculo. O show de horrores particular que criaram na minha cabeça. Elas se divertem com meu choro, dão risadas quando penso em me matar, e batem palmas quando começo a sufocar.

Elas gostam do caos que fizeram, gostam de ver que conseguiram o que queriam: me consumir pouco a pouco, de dentro para fora, como parasitas. Até que não sobrasse mais nada além de sofrimento. Até que eu não fosse nada além de uma isca suspensa, meio viva, oca por dentro.

Elas são sádicas, gostam de ver o sofrimento estampado em meu rosto. Me escutam chamar a morte mas não me levam até ela, querem me ver sofrer.

Era uma vez, duas irmãs, Culpa e Tristeza. Elas eram umas grandes filhas da puta. E eu sou a porra de uma miserável sem salvação.

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⏰ Última atualização: Sep 14, 2022 ⏰

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