— Têm certeza de que irá mesmo atrás desse homem? — Noah perguntava pela quinta vez naquela tarde, atirado com os pés para cima no sofá. — Sim, tenho certeza, ele têm as informações que preciso. — Não olhei pra ele quando o respondi, concentrada demais nos movimentos que a lâmina fazia, marcando e arranhando o entalho de madeira no meio da sala. Faziam alguns dias que havia recebido uma proposta por meio de uma carta. Um figura de uma gangue em crescimento, Thomas Odrin, estava precisando de alguns favores e serviços e, em troca, prometeu dicas valiosas do paradeiro de Magnus. Eu seria idiota em negar. — O que é essa tal de Bloodwings de qualquer jeito? Nunca em meus anos entre as gangues ouvi esse nome.
— Jura? Ainda não achou a mulher de alguns deles pra trepar? — Disparei, com um sorriso debochado. Noah me respondeu com um olhar irritado, revirando as íris azuladas. — Você está toda engraçada hoje. Mas falo sério, tem certeza de que pode confiar nessa informação? Até onde sabemos, pode ser um belo de um golpe. — Consegui sentir um tom genuíno de preocupação na fala dele, me fazendo parar o treino para poder lhe fitar. Suor pingava de minha testa e descia formando trilhas em meu rosto, até meu pescoço — certamente iria precisar de um banho antes de me apresentar para Thomas. — Que outra opção eu tenho? Ou confio nesse fio de esperança, que ele realmente tenha essas informações, ou irei continuar correndo atrás do meu próprio rabo por mais um ou dois anos. — Coloquei a espada de volta na bainha e me virei para a grande janela quebrada do casarão abandonado; o céu já começava a se pintar com as cores do anoitecer, e não sei se foi o cansaço dos treinos diários, ou se era o fato de que não havia comido nada descente nos últimos três dias, mas jurei que conseguia ouvir meu próprio estômago me xingando de todos os nomes possíveis. — O que acha de fazermos uma parada no Boêmio's antes?
— Só se você tiver alguns trocados sobrando, estou duro.
— E quando não está? — Noah me repreendeu o caminho todo até o bar.
◇
Separei o melhor vestido que tinha guardado no antigo baú, de tons azulados e uma leve saia de cetim. As mangas cobriam todo o braço com uma espécie de chiffon mais claro, que também era usado pra cobrir um pouco da saia, enquanto o decote não era nada discreto. Puxei um pouco do cabelo para trás, afim de dar um ar mais "arrumado" para a juba ruiva e cacheada.
A espada foi por último, escondida por baixo dos tecidos que me cobriam — um velho truque que aprendi com uma charlatã russa que dividiu o quarto alugado comigo certa vez.
Esperei o sol estar quase tocando o telhado das casas mais baixas para finalmente sair, a carta com o endereço em mãos. Eu nunca fui de pensar demais sobre as coisas, quando eu quero, eu faço e pronto; mas tinha algo sobre essa reunião, sobre esse Thomas Odrin que me deixava tensa.
Desconfiada, até.
Mas tenho certeza que eram apenas as palavras de Noah na minha mente fazendo efeito, para alguém inconsequente como ele, estava me enchendo com perguntas e concelhos o dia inteiro. Precisava dessas informações, custe o que custar.O prédio tinha três andares, a reunião foi marcada no segundo. Era simples e discreto, esperado de uma gangue relativamente "nova". O andar térreo era um bar, pequeno e escuro sem muitas pessoas, apenas alguns homens apagados em cima de mesas escoradas nos cantos.
Não fiz questão de parar para checar quando um deles pareceu imóvel até demais.
Subi alguns lances de escada até chegar a um corredor comprido, com um tapete de veludo vermelho, e como o bar, mal iluminado. Caminhei até pouco mais ao fim desse corredor para poder notar a presença de outras duas figuras ali junto comigo, esperando; Um homem alto e levemente esguio, pele negra e cabelos ralos na cabeça. Usava roupas formais, um terno e gravata borboleta, seus óculos estavam pendurados pelo bolso e ele definitivamente tinha um ar de doutor ou algo do tipo.
Seus olhos pareciam me analisar de volta conforme entrei.
O outro, um homem não muito mais baixo que o primeiro, vestido como se estivéssemos no meio de Dezembro. Coberto por roupas e um sobretudo marrom. Tinha cabelos negros que iam até um pouco acima do ombro e uma barba mal feita que combinava com as olheiras de alguém que, assim como eu, parecia estar perdendo o sono durante a noite.
O mesmo também me fitou por alguns segundos antes de voltar a atenção para a porta ao lado.
Nenhum de nós disse uma palavra durante os quinze minutos seguintes, até que mais uma figura caminhou do começo do corredor até nós; Um homem grande e bem forte, usando uma boina velha e surrada, igual o resto de suas vestes. Ele tirou o chapéu para poder passar a mão entre os cabelos loiros bagunçados e deu um sorriso debochado para o resto de nós. — Acho que com esse clima de funeral, já posso deduzir que as coisas não começaram bem. — Senti o doutor se mover um pouco ao meu lado, e o de cabelos compridos não pareceu nem reconhecer a presença do homem ali. Ele deu um estalo com a língua e cruzou os braços, apoiado na parede. Foi aí que a atenção dele caiu sob meu rosto, e era como se fosse ronronar. — Boa noite, bela dama. — Não retruquei. — Me chamo James McCane. — Subi o olhar para James, agora botando reparo nas várias cicatrizes espalhadas por seu rosto, em específico, uma que atravessava o nariz em diagonal. Pisquei algumas vezes e lhe lancei um olhar gatuno, deixando as mãos descansando na frente do corpo, como se fosse cair pelo tom manso no qual ele falava. — Hm. — Foi tudo que eu murmurei antes de desviar o olhar entediado para qualquer outro lugar.
E por algum motivo, isso só o fez sorrir ainda mais.◇
Mais alguns minutos se passaram, que mais pareciam horas. Os comentários de James vinham esporadicamente quando o clima parecia finalmente melhorar. Para o meu alívio, e para o alívio dos outros dois homens que definitivamente estavam tão incomodados quanto eu, duas outras figuras surgiram caminhando apressadamente pelo tapete vermelho e empoeirado; Duas mulheres, uma era um pouco mais baixa que eu, e a outra não devia ter mais de um metro e sessenta. A primeira tinha uma pele morena dourada, incomum para o clima de Londres. Cabelos castanho-escuros presos em um penteado alto e desajeitado, combinando com suas vestes extremamente "impróprias" para uma mulher — estava usando calças. Calças que davam em um macacão, azul desgastado, e por baixo um suéter laranja com gola que cobria o pescoço por completo.
Não vou mentir que sua presença me instigou no momento em que pisou naquele corredor.
A segunda era uma pequena e pálida garota, com grandes olhos esverdeados. Seus cabelos lisos e ruivo-avermelhados tinham uma franja que cobria a maior parte da testa, ajeitado em um coque alto, preso por um lencinho rosa.
Parecia uma bonequinha de porcelana.
Usava um vestido da mesma cor do acessório na cabeça, coberto por um terninho púrpura, bordado. — Com licença, estão aqui para a reunião com Thomas Odrin? — Disse com a voz trêmula. Estava tão ansiosa que qualquer um poderia farejar de longe. — Me chamo Eleonor Hartmaan, é minha primeira vez aqui..— De todos nós. — Estremeci sutilmente ao escutar as primeiras palavras saírem da boca do homem de sobretudo, de braços cruzados em uma das paredes daquele corredor que parecia ficar cada vez menor. — Bom, pelo menos achamos que é aqui, estamos aqui fazem horas e.. — James foi interrompido, graças à qualquer coisa que tenha escutado suas reclamações e as minhas orações, quando a última porta se abriu. Um senhor que parecia ter seus cinquenta anos, cabelos compridos e barba cheia saiu apressadamente da sala, sem encarar nenhum de nós nos olhos antes de sumir na escuridão do corredor. — Me desculpem pela demora, negócios são negócios. — Uma voz rouca chamou a atenção de todos, revelando a figura de quem eu apenas pude imaginar ser Thomas, sentado com as pernas cruzadas em uma cadeira de couro. Seu rosto se contraiu em um leve sorriso ao analisar cada um de nós dos pés a cabeça. — Entrem, temos muito para conversar.
![](https://img.wattpad.com/cover/321223325-288-k460117.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Projeto Yule | Volume 1
Misterio / Suspenso"Eu assisti enquanto as chamas dançavam mais uma vez na frente de meus olhos. Naquele momento soube, o pesadelo só havia começado." ──────────── SINOPSE DENTRO DO LIVRO. Primeiro livro da série "O Projeto Yule", baseada em uma campanha RPG jogada po...