2. Madrugada

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Flávia Santana

O carro de aplicativo que nos levava até o motel estava envolto no mais completo silêncio e eu já começava a me arrepender da decisão de ter aceitado o convite desse completo estranho — que por acaso tinha o rosto idêntico ao do dono da casa. Longe da atmosfera badalada da festa, posso avaliar melhor as minhas atitudes e percebo que estou prestes a fazer algo que nunca fiz na vida: trair o meu namorado. Sinto a mão do homem se acomodar em minha coxa e tenho que contrair as pernas numa tentativa de aliviar a onda de desejo que me atinge no instante em que seus dedos grandes brincam com as aberturas em minha meia arrastão. Ele mantém uma expressão serena em seu rosto e tenho vontade de perguntar o que ele está pensando, mas a presença do motorista no carro me impede e sou tomada por uma timidez estrangeira que me cala por completo.

Viro o rosto para a janela do carro e admiro a paisagem urbana tão perfeitamente misturada com a natureza do Leblon; Obviamente não é um bairro que costumo frequentar, tendo sido nascida e criada na Tijuca. Mesmo depois do início do meu relacionamento com Marcelo, — um homem que obviamente circulava entre a alta sociedade carioca, devido ao seu cargo de vice presidente de uma conceituada empresa de cosméticos — eu sempre preferi me manter afastada desse mundo, me sentindo como uma intrusa sempre que ele me arrastava para qualquer evento de trabalho ou até mesmo de família.

– Meu reino pelos seus pensamentos – A voz grossa do homem que me acompanhava preencheu o espaço do veículo e me arrancou de dentro de minha própria cabeça.

Ergo os olhos para encará-lo e sinto o ar faltar em meus pulmões, ele é tão bonito. Mais bonito até mesmo do que o homem com quem ele compartilha o DNA. Tem alguma coisa naqueles olhos escuros que me puxam para mais perto e é exatamente isso que faço, me aproximando ainda mais dele no assento traseiro do carro, cobrindo sua mão que ainda acariciava minha coxa, com a minha.

– Será que meus pensamentos valem tanto? – Pergunto num sussurro, erguendo o queixo de maneira desafiadora – Pode estar apostando alto demais em troca de algo muito pequeno.

Suprimo um sorriso quando percebo o olhar rápido que ele lança para a parte de frente do veículo, provavelmente para tentar ter certeza de que conversávamos em privacidade, sem a curiosidade do motorista.

– Estou disposto a arriscar... – fecho os olhos quando sinto seus dedos deslizando pela pele exposta de meu esterno, tão delicadamente que me pergunto se não estou imaginando o toque – E então? No que está pensando?

– Em você – admito, abrindo os olhos para encarar as duas piscinas negras que queimam a carne com tanta intensidade – Em como você parece fruto da minha imaginação.

– Engraçado... – ele abaixa o rosto, arrastando o nariz pelo meu maxilar – Eu estava pensando a mesma coisa.

Quero beijá-lo.

O pensamento surge em minha mente como um intruso e de repente é a única coisa em que consigo pensar. Quero beijá-lo. Quero sentir o calor de seus lábios contra os meus, o gosto de sua boca, o calor de seu corpo. Quero beijá-lo como nunca quis beijar ninguém em toda minha vida e essa realização me assusta.

Somos interrompidos por um pigarro que vem do assento do motorista e nos afastamos; percebo um leve rubor nas bochechas de meu companheiro e esse detalhe me deixa ainda mais atraída. Como pode um homem ser puro fogo em um momento e se transformar em um garoto envergonhado no instante seguinte?

– Chegamos, querem que eu entre com o carro? – o motorista está tão constrangido quanto nós, e me pergunto se somos o primeiro casal que ele leva a um motel.

Meu parceiro de crime abre a carteira e retira algumas notas de cinquenta, o que me faz erguer as sobrancelhas. A corrida não deu mais de trinta reais, mas ele parece disposta a recompensar o motorista pela sua discrição.

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⏰ Última atualização: Sep 11, 2022 ⏰

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Amor por Metro Quadrado - Jorge e Flávia (shortfic)Onde histórias criam vida. Descubra agora