Capítulo 3

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 Bairro de Kreuzberg

Berlim, Alemanha

23 de abril de 1935.

— “Ser ou não ser, eis a questão” — a voz do jovem era calma, como se tivesse ensaiado apenas para ler aquele célebre trecho. Como se estivesse em cima de um palco, lendo para uma plateia cheia.  — “Qual é mais digna ação da alma; sofrer os dardos penetrantes da sorte injusta, ou opor-se a esta corrente de calamidades e dar-lhes fim com atrevida resistência?” — umedeceu os lábios — “Morrer... Dormir... Nada mais... Morrer é dormir, sonhar talvez”.

O menino, acomodado em seus braços, ficou em silêncio.

— Que coisa chata. — comentou a criança, com o tom malcriado de sempre.

Sebastian fechou o livro.

— Isso é Shakespeare, seu ignorantezinho. — disse o mais velho, com um pequeno sorriso.

— Chaaaatoooo. — Zack cantarolou.

O mais velho afastou o livro. Envolveu o braço no pescoço fino do garoto, fingindo lhe dar uma chave de braço.

— Agora você vai morrer! — brincou.

Os dois riram. Zack tentou lutar, mas Sebastian logo o soltou.

O quarto de Sebastian era pequeno, porém muito organizado. Eles estavam sentados na sua cama de solteiro, Zack trajava seus pijamas infantis e aconchegava-se nos braços do irmão mais velho.

O tique-taque do relógio de madeira ecoava pelo lugar. Já passava das 21h e da janela de vidro podia-se ver a rua de paralelepípedos, vazia e escura. O toque de recolher fora programado para 22h, mas os cidadãos alemães um pouco mais cuidadosos mantinham-se longe das ruas uma hora antes dos soldados inspecionarem a cidade.

As trevas aproximavam-se gradualmente da Alemanha e Sebastian começava a ter poucas noites de sono, sua mente estava cheia de perguntas e preocupações, e logo seu irmãozinho começava a ter seus momentos de insônia também. Não sabia exatamente o porquê, com certeza sua cabeça infantil não se preocupava com os mesmos problemas, porém, ele sempre escapava para o quarto do irmão quando não conseguia dormir, esperando que este lesse uma história.

O pequeno livrou-se dos braços de Sebastian, ficando em pé na cama, fazendo ranger o colchão de mola.

— Anh, você não tem nenhuma história boa por aqui, Sebby? — perguntou Zack, ficando na ponta dos pés, passando os dedinhos na prateleira de livros em cima da cama.

— Depende — respondeu, levantando-se. Trajava uma camisa branca de mangas curtas e uma calça folgada azul — O que você quer que eu leia? — perguntou, enfiando as mãos nos bolsos da calça do pijama.

— Qualquer coisa. Menos esses livros de menina que você lê. — disse o garoto, despreocupadamente.

Fechou os olhos e massageou as têmporas. De nada adiantava discutir com uma criança. Aliás, Sebastian parecia ser o único a gostar de boa literatura naquela casa.

— Está bem, está bem — falou, derrotado — Que tipo de história você gosta?

— Hm. — o pequeno Zack pareceu pensar por um instante. Virou-se para o irmão com um grande sorriso, mostrando os dentes que lhe faltavam. — Eu gosto de combates! — disse, confiante — Guerras, soldados e mortes!

O garoto começou a tagarelar sobre o pouco que havia aprendido na escola e na Juventude Hitlerista, sobre a primeira grande guerra e o espírito alemão. Falava tudo com grande inocência e alegria, Sebastian o observava em silêncio. Ele não fazia ideia da gravidade das coisas que estava dizendo, talvez até fizesse, mas o Keller mais velho preferia acreditar em sua ingenuidade.

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⏰ Última atualização: Feb 24, 2013 ⏰

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