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Estive na praia ontem à noite, réveillon, roupas brancas e pés afundadas na areia. Cabelo seco e salgado. Boca ressequida e logo hidrata, graças ao vai e vem de cervejas. Festejo, bomba, gritos e risadas, acumulados por todo o lado se vê ofuscado por você, só podia ser você.

Cigarro nas mãos finas e tatuagem em algum dos dedos, semblante frio de quem pouco se importa estampado numa pele preta, o mar se perde junto à suas roupas escuras. Já estivemos aqui em dias menos frios, antes de sabermos o suficiente sobre o que um é para o outro.

Sendo sincera sinto falta de como aqueles dias me traziam paz, andar pequeno sentindo-se grande, no auge dos quatorze. Te fotografei com os meus olhos, pisquei duas vezes e tive a certeza de que teria a imagem do seu sorriso no meu peito. E é uma pena ainda não ter chegado muito longe, ainda não poder ser uma velhinha que lembra do seu primeiro amor fazendo uma tarefa qualquer.

Enquanto não chega, basta aproveitar o pouco que tenho de ti, esperando que multiplique, esperando pacientemente... Tenho tempo de sobra.

Não sei como seria se fosse diferente, herdei muito de ti. Os cafés, filmes longos, suas músicas e a fala política que você falava pra fora do peito, por mais entediante que fosse. Não herdei o pior dos seus costumes, sou grata por isso.

Os fogos ascendem aos céus depois de uma contagem atrapalhada, cheia de vozes e outros fragmentos. Acenderam junto com o seu último trago. Minhas costas nuas encontraram a areia fria, e no meu mundo perfeito, eu não estaria engolindo a areia que era espalhada para todos os cantos pelos turistas, que afoitos corriam para o mar.

De baixo pra cima, vejo um rosto familiar, ofuscando com os cabelos cacheados o brilho dos fogos de artifício. Fala tímida e baixas, talvez tenha se esquecido do quão barulhento a rua é. Seu hálito espalhava o cheiro de caipirinha, Kumbaya, vinho barato e cerveja, como o meu.

Quase esqueci que César estava ali. Era sempre nosso intermediador. Me puxou pelos braços sem olhar nos meus olhos, sua comemoração me uniu a ti, foi como unir álcool e fogo. Antes que percebêssemos era eu e você, e só eu e você.

Você se repelia ao se sentir muito próximo, se ocultava de novo e de novo. Sempre que sentia estar abrindo uma brecha você fechava, nunca houve espaço pra mim de verdade.

Mas mesmo assim é bom estar na presença dos dois, eu e Cesar tivemos um esforço a mais para estar aqui, tão distantes do nosso conforto. Cesar estaria em frente ao computador, ficcionado por algum filme velho. Eu estaria abraçada com minha mãe, esperando meu pai terminar seus votos, seus pedidos. Servindo uma mesa farta para uma família não tão grande, mas sempre unida.

César fuma quando tá nervoso, parece uma chaminé nas pedras. Você retorna ao seu silêncio. Eu não tenho mais nada a falar.

Chegam os camarões, acarajés e mais bebidas, ninguém aguenta mais. O único caminho possível é a água, você prontamente aceita, mas César nega uma, duas, três vezes e se sentou com o cigarro ao lado do isopor de cerveja, se estabelecendo como um sedentário.

Seu jeito desengonçado garantiu que, de alguma forma, a bituca do seu cigarro deixasse de incandescer na minha mão. Ardeu, mas o convite compensou.

Antes estávamos pouco antes de onde a maré morre. Estava cega, enxerguei o mar com incerteza. Me assombra entrar sem firmar os meus pés, a água tão turva. Você ignorou a minha relutância como se não me ouvisse relutar. Quando me dei conta a água já estava um pouco abaixo do meu pescoço, por sorte estava mansa. Por mais de toda sua apatia e meus receios, senti que estávamos brilhando ali, um sendo alimentado pelo outro. Brilho do seu olhar que encontrava os meus, brilho do meu sorriso antes de chegar em você.

Não falou nada, só me apoiou em seus braços. Inevitavelmente sentia o ar frio dos seus pulmões, o cheiro forte de cigarro. Você estava entregue, eu também. Beijei sua boca e cumpri o objetivo dos últimos três anos, me afastei, acreditei ter sido precipitada, mas você me trouxe de volta. 

Como Nero amou RomaOnde histórias criam vida. Descubra agora