3

28 3 0
                                    

      Acordar e não te ver não me decepciona, é mais do mesmo. Esse medo que te faz correr e essa insistência que me faz te perseguir, só me faz parecer uma palhaça. A situação não é tão profunda quanto parece, mas ainda dói, é como se não importasse pra ti. Não sei o que pensa sobre tudo isso... Acho que não gostaria de saber, mesmo que pudesse.

Na sua ausência o seu cheiro se espalhou nos meus travesseiros, cobertores, roupa, corpo. Tudo o que tenho você usou e tomou pra ti por uma noite, e me devolveu deixando no chão da porta da frente.

No dia ainda te liguei algumas vezes, me arrependo. Não iria te pedir pra voltar, nem perguntar o porquê de você ter ido embora. Queria te devolver o colar que você deixou aqui, vocês são inseparáveis, é a imagem da sua mãe, você precisa levá-la no peito se quiser cumprir a promessa que fez.

Naquele mesmo dia 1 sai pela rua com ele na mão, descabelada, vestindo qualquer coisa que encontrei no guarda-roupa. Senti tanta raiva que atiraria ele em uma lata de lixo qualquer, num container pra você nunca o encontrar, ou dentro de uma igreja e ter a certeza de que você jamais acharia.

Depois de horas decidindo o que fazer entreguei a César, por sorte ele estava sozinho em casa. Meu rosto tava vermelho, olhos inchados... Tanta coisa presa que parecia que eu iria explodir, quase literalmente. Ele abriu a porta e meu braço estava estendido, tremia segurando o colar pelo pingente e a corrente fina escapava pelas mãos. Com o olhar sempre tão carinhoso não me perguntou por que eu estava, ou sobre as roupas. Apenas passou pela corrente e me abraçou, com a mão atrás da minha cabeça, repousando sobre o seu ombro. Me senti segura.

O tempo passava e eu continuava chorando no seu ombro, sentia tanta raiva que apertava sua camisa, puxava e grunhia.

- Vou mandá-lo embora. - Sussurrou César, me fazendo arrepiar da cabeça aos pés.

É claro que você também estaria lá, nosso amigo é o nosso farol desde que nos conhecemos. Sempre evita de participar de nossas brigas, não partilha dos nossos mesmos problemas, e é a voz desconfortável da razão maior parte do tempo.

Se não fosse pelo estresse teria sentido o cheiro de cigarro vindo da sala dele, César não fuma tanto e você é como uma chaminé, independente de humor ou clima. Tentei convencê-lo de me deixar ir embora, tudo o que eu menos precisava era te ver, mas César me tomou pelo braço com certa força, afrouxou a mão e o olhar, me pedindo para entrar um pouco.

Me serviu água e vinho, uma taça e um copo americano. Permaneci sentada e ouvi os dois conversando distante, Pedro parecia nervoso, como se não quisesse sair do quarto para me ver. César volta e meia virava sua atenção para a sala, se certificando que eu estava lá.

- Não vou ficar no meio disso! - Gritou ele e te trouxe para fora do quarto, logo em seguida marchou para fora de casa com uma garrafa de álcool pela metade.

Gelei. Não tirei os olhos de você, mas sei que estava visivelmente espantada, o que você tava pensando na hora? Será que pareceu que estive te procurando?

Você também parou como um animal assustado, olhos pretos arregalados e metade do corpo ainda dentro do quarto. Te via dividido, feição um pouco mais séria do que o habitual. O silêncio foi tanto que meus pensamentos ficaram altos, quase não ouvi o seu "E aí?" sem graça.

- Desculpa, não sabia que você ia estar aqui. - Disse já me levantando, notando que o colar estava sobre o centro de madeira. - Já vou indo.

- Vitória, foi mal. - Como se eu já não tivesse ouvido aquilo outras mil vezes, mas me virei para te ouvir. O frio na barriga só crescia. - Te ouvi chorar de lá do quarto, não era o que eu queria.

- Por que só ir embora? Poderia ter se despedido, me acordado. Eu te procurei por toda a casa, fui até o ponto assim procurando por você.

- Não deveria ter ido com você ontem, tava confuso.

- Se arrepende de ontem?

- Sinceramente? - Você levou o cigarro até a boca, mas hesitou. Apenas deixou ele entre os dedos, ainda aceso.

- Sim.

- Não. - Um último trago e jogou ele ali mesmo, no chão de César.

- Quando eu vou conseguir te entender? Quantas vezes tentamos isso? Não quero me arrepender sempre que tivermos um tempo juntos, não quero acordar e me sentir usada como hoje.

- Usada? Sério?

- Usada. Você não atendeu as ligações, não respondeu as mensagens... Como você achou que eu iria me sentir?

Sempre era o mesmo rosto de descrença, sempre parecia que eu estava de alguma forma, te ofendendo. Mas não era mentira, por mais que você sempre diga que é um exagero, por mais que você sempre vire o rosto quando estou falando, como agora. Já tendo feito todas as encenações, se sentou do meu lado, tentou pôr a mão na minha perna, recuei.

- Você vai agir como se eu não tivesse avisado? Você sabe o motivo de eu fazer o que faço, não tô pronto pra nada disso. - As mesmas desculpas, como se estivesse conversando com o mesmo "você" de três, quatro, anos atrás. Seus problemas iam por cima de todas as suas ações, uma camuflagem confortável para os seus erros. Como uma desculpa engatilhada, sempre usada na primeira falha, sempre perdoada por mim.

- E por que agir como se estivesse? Depois da virada conversamos tanto que acreditei que iríamos resolver os problemas do outro ano. Tudo isso pra você agir como um coitado de novo? - A vontade de chorar voltava, me calava com a mão escondendo a boca. A outra mão erguida, pedindo para ele esperar. - Eu não queria ter visto a sua cara hoje!

- Como um coitado? Eu tenho problema, te disse e você nunca me leva a sério.

- E se esconde atrás dele sempre que tá errado. - Me levantei, dessa vez sem interrupções, sem tentativas de me parar. - Eu vim entregar o colar, consegui. Não tem mais nada a fazer aqui, Pedro. Espero que consiga passar por cima desses mil e um problemas, deve ser realmente complicado viver sendo você.

- Tá falando sério? - Sua voz ficava cada vez mais distante. Mais irritada ao ser ignorado, falei o que estava preso, mas com a certeza de que voltaria ao mesmo erro.  

Como Nero amou RomaOnde histórias criam vida. Descubra agora