1. no warning

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Porchay

Eu não poderia pensar num dia melhor do que este: primeiro dia na universidade e tudo estava melhor do que eu poderia imaginar, Kai e King eram meus únicos amigos desde... sempre. Eles eram um ano mais velhos que eu e, infelizmente, já haviam terminado as aulas, por hoje. Eu estava na última aula, quando do nada, um alarme tocou. Estranhei de primeira, fui avisado que a universidade não tinha toques de entrada ou saída das aulas e bom, ainda faltava trinta minutos para a aula terminar.

Todos os alunos se entreolhavam, provavelmente também estranhando o que estava acontecendo, e tudo ficou ainda mais estranho quando um professor entrou na sala, praticamente correndo, com sangue na sua camisa, cabelos bagunçados e respiração acelerada. Por alguns breves segundos, a sala ficou novamente em silêncio, nada era escutado além da respiração pesada e ofegante do mais velho.

— Todos para o refeitório, agora! - o professor falava enquanto tentava inutilmente controlar a respiração. - Está havendo um tiroteio.

Senti o meu mundo parar por segundos, ou talvez minutos, minha mente ficou em branco, quando fui despertado por empurrões de alguns alunos que tentavam passar por mim, em pânico; minha única opção foi segui-los em passos apressados que eram quase como uma corrida em busca de algum prémio, os alunos corriam como se fossem ganhar algo como prémio, e realmente iriam ganhar: mais alguns anos de vida, talvez.

Tudo acontecia muito rápido, minha mente não conseguia acompanhar o que acontecia. Em questão de segundos eu estava parado, em choque, no meio do enorme corredor com o corpo de algum aluno caído no chão, sem vida. Gritos invadiam minha mente e quase pareciam sussurros enquanto que meu olhar se prendia na poça de sangue que agora sujava meu ténis. Meus pulmões pareciam implorar por ar, mesmo que eu respirasse mais rápido que em qualquer outro momento da minha vida, meus olhos arregalados observavam o corpo de um estudante do segundo ano, os olhos abertos apesar de sem vida. Minhas mãos tremiam e meu corpo não obedecia minhas ordens, eu precisava sair dali ou acabaria igual aquele jovem sem vida, eu precisava lutar para conseguir correr e abraçar meu irmão que provavelmente estava me esperando na entrada da universidade. Mas como eu iriam fugir se eu sentia meu corpo congelar?

Eu aceitei meu destino quando ergui meu olhar e o vi: o dono da arma, erguendo novamente seu braço, agora em minha direção. Eu iriam morrer como um covarde que congelou no meio do pânico que invadia os corredores daquele lugar que era chamado de universidade, aquele lugar que agora era o pesadelo de qualquer aluno que ainda estivesse vivo. Fechei meus olhos, e forcei minha mente a imaginar Porsche, eu queria morrer com a imagem de meu irmão na mente.

Quando senti meu corpo ser cair no chão, abri meus olhos, e tentei me esforçar para descobrir se ainda estava vivo.

— Entra! - uma voz ordenou e eu tentei procurar o dono, mas foi impossivél, meu corpo finalmente obedeceu minha mente, e eu corri para dentro de uma sala que parecia um mini armazém, com objetos de limpeza. - Não fale!

Como eu poderia falar? Minha mente ainda estava tentando processar tudo o que estava acontecendo. A imagem de um corpo na minha frente era tudo o que passava em meu cérebro e, em questão de segundos, eu voltei a mim. Subitamente sentindo o nojo me invadir, meus braços e rosto estavam cobertos de gotas de sangue, assim como meu uniforme. Minhas mãos se moviam com rapidez tentando, inutilmente, limpar aquele líquido nojento, ou até mesmo tentando arrancar minha pele, na esperança de arrancar juntamente aquela sensação, antes que eu pudesse pensar em impedir, lágrimas escorriam de meus olhos e banhavam minhas bochechas, meus lábios tremiam em pânico, medo ou uma dor que parecia desconhecida.

— Sai! Porque não está saindo?! - talvez eu estivesse perguntando mais para mim mesmo, ignorando um pouco a presença de outro ser naquele cómodo apertado e sufocante.

— Ei, ei! - duas mãos de agarraram, segurando meus braços, me impedindo de continuar com aqueles movimentos que queimavam minha pele.

Quando ergui meu olhar observei a figura masculina em minha frente, cabelos mais cumpridos que os meus, olhos escuros, sobrancelhas grossas e lábios finos, gotas de sangue banhavam suas bochechas, mostrando que ele havia assistido a uma morte também, ou talvez mais que uma. Senti minhas pernas perderem as forças e meus joelhos se chocarem com o chão frio e sujo; eu me senti um inútil por estar chorando em frente a um estranho enquanto que ele parecia tão calmo, mesmo que seus olhos mostrassem pânico e medo, apenas como os meus.

— Eu preciso que você me ajude a te ajudar. - suas palavras invadiram meus ouvidos, e eu procurei em minha mente qualquer requisito de força para lhe conseguir responder. Mas foi impossível.

Passos foram escutados do lados exterior do cómodo, e eu senti sua mão contra meus lábios, impedindo qualquer som enquanto que o mesmo erguia um dedo em frente a seus próprios lábios, indicando que eu ficasse em silêncio. Ficamos assim por quase dois minutos, até ele ter certeza que eu conseguiria controlar minhas lágrimas e meus soluços. Eu me esforcei para me sentar, puxar meus joelhos até meu peito e aperta-los com todas as minhas forças, como se assim eu pudesse me esconder daquele terror.

O mais velho, que eu ainda não tive a oportunidade ou vontade de perguntar o nome, se sentou do meu lado, esticando suas pernas ao máximo que o espaço limitado deixava.

— Me chamo Kim. - sua voz soou tão baixa como um sussurro, de modo que fosse impossível escutar do lado de fora.

— Porchay. - não me importei em responder com muitas palavras, e eu nem sabia se conseguiria.

— Vai ficar tudo bem, Porchay. - aquelas pequenas palavras fizeram o meu peito doer e meus olhos se encherem de lágrimas novamente, apesar de eu lutar para não as deixar cair. Eu nem mesmo me importei quando sua mão pousou sob meu joelho e apertou levemente a área.

Meu corpo todo estremeceu quando foram escutados mais tiros, apesar de distantes. Seu aperto se tornou mais forte e foi ai que eu percebi, Kim estava tão assustado como eu, mesmo que não demonstrasse, eu podia sentir seus dedos tremerem e sua respiração pesada soar tão alta quanto a minha. Tombei minha cabeça sob sua mão, repousando minha testa sob a sua pele fria mas macia, e foi possível escutar um suspiro escapando de seus lábios.

Um outro tiro, apenas um, e agora Kim também estremeceu. Seus lábios deixavam algumas palavras escapar, algumas possíveis de entender, mas pude escutá-lo repetir "vai ficar tudo bem" inúmeras vezes, mais vezes do que eu poderia contar e talvez vezes demais para que eu pudesse acreditar nas palavras.

Minha mente se focava no facto que eu precisava de viver, precisava de voltar para Porsche, ele não aguentaria me perder, assim como eu sabia que não aguentaria perdê-lo.

DEATH BODIES [KimChay]Onde histórias criam vida. Descubra agora