Kang, O Arauto da Liberdade. Capitulo dois: Moinho de Trigo

7 0 0
                                    

No mesmo mês foi transferido para o moinho de trigo, onde ele empurrava um grande tronco e suas pernas serviam como força motriz para uma grande engrenagem girar e moer o trigo. Pelo esforço que fazia, desenvolveu muito bem suas pernas, que se destacavam no corpo magro e cheio de cicatrizes que possuía. O escravo encarregado de levar o trigo ao moinho era talvez uma das únicas companhias do pré-adolescente, além dos ratos. Se chamava Laure, um meio elfo sem muitas características notáveis, a não ser pela falta de seu polegar esquerdo e seu humor ácido, que irritava os guardas constantemente.
Mesmo sem respostas, Laure continuava a conversar com o menino, contava sua historia, seus sonhos, perguntava opiniões sobre suas piadas. Ele se tornou escravo através da divida, perdeu seu dinheiro, sua moradia, e enfim sua liberdade por conta das noites de jogatina embriagado. Sonhava em ter uma mulher com o corpo de uma deusa e ser o mais rico dos homens. Falava incansavelmente até um dos guardas ameaça-lo e ele voltar ao trabalho.
Em uma das tardes do que seria quarto ano na do garoto na fazenda, Laure aparece carregando os sacos de trigo agitado e dizendo: "Já que não sei seu nome, e faz um ano que você não me conta ele, vou te dar um. Pernas grossas, e não fala, igual a um canguru! Vou te chamar assim agora, o dia que eu ver um canguru falar troco seu apelido" disse Laure. Dias depois ele volta reclamando: "Seu nome é muito longo pra ficar falando toda hora, canguru, canguru, cangaru, cançuru, além de confundir quando falo ele muitas vezes. Vou te chamar de Kang, mais fácil". A primeiro momento, Kang recusa o nome, mas um tempo depois o abraça com carinho, após anos, um nome para chamar de seu e um amigo para dividir sentimentos.
Kang se sentiu acolhido após esse dia, não se via mais um corpo sem propósito que girava sem parar o moedor. Sentia um calor que nunca antes sentira. Se via imaginando a sua fuga e de Laure e no futuro os dois dividindo o mesmo banquete em um castelo. Um sonho fútil diria eu, mas acima de tudo, era verdadeiro.
Kang começou a dar mais atenção a Laure, se comunicava através de gestos, caretas, movimentos, e seu amigo cada dia vinha mais animado contar uma trapalhada de um dos guardas fez e gerou fúria nos olhos do orc com o nome silenciado pela lâmina.
Yakka passava poucas vezes perto do moedor, mas sempre que passava, Kang sentia um coquetel de sentimentos, uma sensação agridoce. Ele construiu sua figura paterna através dos anos no homem que o torturava, via a figura exigente, raivosa, e mais velha que contaram a ele encarnada no corpo de Yakka. Talvez o pior trauma do garoto e o que um dia geraria maior consequência na sua vida.
No quinto ano na fazenda, Kang começou a escutar boatos de uma revolução, quando os guardas não estavam proximos, Laure falava rapidamente sobre esses murmúrios da madrugada e dizia cada vez mais que a vez deles tomarem o poder estava chegando. Laure nessas reuniões tinha colocado em Kang um papel muito importante para exercer na revolução -talvez o maior arrependimento de sua vida-, matar o escravista, o orc que os torturava e se auto proclamava donos de suas vidas. Kang nunca havia causado problemas dentro da fazenda, apenas obedecia ordens, assim foi perdendo os holofotes, até mesmo ficando sem guardas para observa-lo em seu moinho, Yakka poderia se preocupar em um tumulto com todos os escravos, menos com o menino mudo.
O plano era simples, os escravos atacariam os guardas com armas improvisadas e ateariam fogo nos depósitos enquanto Kang assassinaria o orc. Um plano desesperado, mal planejado e mal executado. O fracasso estava os observando, e mesmo assim insistiram em o realizar.

 Contos de um imaginário esquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora