Capítulo Cinco

33 9 63
                                    

Depois que a polícia chegou, era como se tudo estivesse rodando em câmera lenta

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Depois que a polícia chegou, era como se tudo estivesse rodando em câmera lenta. A última vez que vi a Lays, (sim, agora eu tinha certeza que ela era a Lays, e que Julia provavelmente não existia, no mínimo ela deve ter mentido pra que eu não fosse atrás dela depois daquela noite) foi quando ela saiu pra fora de casa com seu pijama e roupão de cetim e tentou convencer os policiais a não me levarem, provavelmente por pena. Agora eu sabia que não tinha nenhuma chance com ela.

Quando chegamos à delegacia, me levaram direto para a sala do delegado, antes de me prenderem, certamente porque achavam que poderiam ligar para os meus pais. Resolvi aproveitar a oportunidade para tentar conversar com o delegado, dizer que tudo não passava de um mal entendido. Entrei na sala encarando-o, o homem parecia ter cerca de quarenta anos, uma expressão serena e tranquila.

— Sente-se. - Ele disse com calma, bem diferente da postura hostil dos policiais que me trouxeram. - Muito bem, pode me explicar o que estava fazendo no jardim dos Albuquerque?

— Foi tudo um mal entendido. Eu não ia roubar nada, eu só queria falar com a garota. Se quiser pode chamá-la aqui, nós nos conhecemos e eu... só queria poder vê-la de novo.

Ele me analisou olhando de cima para baixo. 

— Acredito em você. Mas invasão domiciliar ainda é crime. Da próxima vez que quiser conquistar uma garota, tente fazer isso sem invadir a casa dela. Poupa o seu tempo e o meu trabalho. Agora, preciso ligar para os seus pais, o número deles, por favor.

Próxima vez? Então eu estou livre? Não vou passar o resto da vida mofando na prisão?

— Sou órfão, senhor.

Ele me olha com uma expressão carregada de piedade.

— Você não tem nenhum parente próximo? - Seu tom expressa uma compaixão que ninguém jamais havia tido comigo antes.

— Ninguém, minha mãe era usuária de drogas e morreu, e eu não faço a menor ideia de quem é o meu pai. Eu vivo sozinho, no morro.

— Ninguém deveria estar sozinho na vida, ainda mais na sua idade, com tantas escolhas importantes a fazer... Um adolescente deveria ter um pai.

De repente, aquilo se tornou mais do que um interrogatório, passou a ser uma conversa.

— Olha garoto, meu plantão acaba em algumas horas. - ele continuou falando, e estendeu uma nota de cem reais para mim. - Tem uma lanchonete próxima à delegacia. Pode me esperar lá se quiser. Gostaria muito de conversar com você. Está dispensado.

Me levantei sem acreditar, ele disse aos policiais que eu estava liberado. Saí da delegacia, mas não ousei ir até a lanchonete. Fiquei na calçada, esperando o delegado sair para devolver o dinheiro e mostrar que eu era uma pessoa honesta. E se tudo aquilo fosse um teste?

— Você ainda está aí garoto? - Quando me dei conta, o delegado estava atrás de mim, já estava quase de manhã e o plantão da noite havia terminado. - Venha, vamos comer alguma coisa.

    Eu estava morrendo de fome, já fazia quase vinte quatro horas que não comia nada, se não aceitasse, meu estômago poderia criar vida própria para me bater. Então apenas assenti com a cabeça e caminhamos até uma padaria.

— Então quer dizer que a filha do deputado mexeu com a sua cabeça. Nunca vi ela por aí, ouvi dizer que não sai muito, mas você foi parar em uma delegacia por ela, então ela deve ser de fechar o comércio. - Ele disse em um tom descontraído, sorrindo e erguendo uma das sobrancelhas para mim.

— Ela é belíssima, os olhos, o cabelo, o sorriso, o jeito de falar, andar, se vestir, mas, jamais terei uma chance com ela...

— Escuta garoto, o que importa não é de onde você veio, e sim o que você é por dentro, e se você estiver disposto, eu posso te transformar de dentro pra fora, fazer com que toda sua beleza interior faça parte do seu exterior também.

— Mas como? Sou apenas um garoto que cresceu sozinho em uma favela. E comer um pão na chapa e tomar um cafézinho com um delegado não vai mudar isso. - Respondi desanimado enquanto sentamos na mesa da padaria já fazendo os pedidos.

— Eu te chamei aqui para te fazer uma proposta. Quero que você seja o meu filho.

— O que? - falei um pouco alto demais, de modo que outras pessoas que estavam na padaria olhavam para nós.

— Sei que isso pode soar estranho, afinal, eu ainda nem me apresentei e estou dizendo que quero te adotar. - Ele riu. - Prazer, meu nome é Marcos, tenho quarenta e seis anos, sou delegado de polícia. E bom, a razão pra eu querer te adotar é simples, não posso ter filhos, minha esposa Marta faleceu há dois anos, eu não me vejo me casando com outra mulher, mas meu sonho sempre foi ser pai. - Ele faz uma pausa com um olhar sonhador. - É claro que seria muito complicado para um homem solo criar uma criança ou até realizar a adoção legal de um adolescente, mas eu sempre quis ter uma companhia. Relaxa, eu não iria mandar na sua vida nem nada do tipo, iria te oferecer oportunidades de estudo, moradia, ter um lar decente, e a única coisa que peço em troca é a sua lealdade e companhia, assistir um jogo juntos, ir à praia, jogar futebol, tomar uma cerveja, como pai e filho. Quando bati os olhos em você, senti que é uma pessoa diferente, Caique, uma pessoa que tem muito a oferecer a este mundo, mas nenhuma uma oportunidade para isso, eu estou abrindo as portas para você. O que me diz?

Uma lágrima escorria de minha bochecha enquanto eu ouvia sobre a relação de afeto entre pai e filho que ele descrevia. Meu coração se encheu de esperança, aquilo era bom demais pra ser verdade. Não a parte da vida confortável, mas por ter alguém disposto a me amar, alguém querendo fazer pra mim o que nem meu pai biológico havia feito. Dei um sorriso entre as lágrimas. O olhar de Marcos era reconfortante, somente aquele olhar já tinha um gosto de lar.

— Eu topo, muito obrigado por acreditar em mim. - Sem conseguir me conter, levantei da mesa e dei um abraço no homem, que mais tarde, veio a se tornar meu pai.

Desejos Do Coração [EM ANDAMENTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora