Chance número cinco

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Como é deleitoso acordar depois de uma ótima noite de sono e ter tido um sonho bom, não é mesmo? É assim que Ítalo desperta na sua nova realidade, com a sensação do gosto do beijo de Heitor e do sexo incrivelmente satisfatório que fizeram. Logo ele que tinha um preconceito enorme quando amigos com vidas e convicções mais alternativas lhe garantiam que o pico do prazer do sistema testículo-peniano se encontrava na próstata. Achava um absurdo essa possibilidade, e sequer acreditava nela, aprendera que um homem de verdade jamais deixaria ser tocado nessa região, mas após a experiência surreal que tivera, onde não havia ninguém para julgar suas atitudes porque ninguém que conhecia fazia parte dela e assim estava livre para se despojar das suas limitações e se permitir, comprovou o que sempre ouvia com indignação. Até mesmo sua visão sobre Deus mudou. Consegue enxergá-lo de maneira mais leve, sem o peso da moralidade religiosa. Se Deus criou o ser humano e lhe deu o livre-arbítrio e é puro amor e compaixão, por que a homossexualidade é tão condenada pela igreja? Não faz sentido e é até contraditório.

Está excitado quando abre os olhos e automaticamente se espreguiça com um despertador tocando sem parar. Alcança o celular ao lado do travesseiro e desliga o alarme.

De forma instintiva, leva a mão direita em direção ao pênis para uma masturbação matinal, mas encontra o membro flácido, como se não houvesse mais vida ali. Se assusta e vira o tronco para se levantar. As pernas pesam e ele cai no chão, batendo a cabeça no piso de madeira.

O som da queda chama a atenção do outro pequeno morador do apartamento.

- Papai - o garotinho balbucia, contido - Você está bem? Eu ouvi um barulho - justifica olhando de esguelha pela porta entreaberta após abri-la com cuidado. O homem nunca a tranca, já que possui uma criança em casa, com medo de acontecer alguma emergência. Assim que percebe que o pai está no chão, corre até ele e tenta ajudá-lo. - Você se machucou?

- Não, não... - Ítalo resmunga meio desnorteado tanto pelo tombo quanto pelo lugar para o qual foi mandado dessa vez. - Só foi uma batidinha de nada - se desvencilha da mão miúda solícita que se esforça para suspendê-lo e se apoia no chão para se pôr de pé, mas nota que suas pernas não respondem. - O que há comigo?

O menino de nove anos o encara, confuso. Como assim o que há com ele? O pai havia esquecido que é paraplégico?

- Eu vou pegar sua cadeira de rodas... - diz apenas e anda até o canto do quarto, onde a tal cadeira está estacionada, sendo acompanhado pelo olhar de incrédulo de Ítalo no corpo de seu pai. A leva até ele e fica parado, esperando que o pai suba nela com a mesma destreza de sempre, adquirida após muito esforço, usando seus braços fortes para se mover.

- Só podem estar de brincadeira comigo! - exclama ao léu, mas o filho entende que é para ele.

- Como assim, papai? Você está bem mesmo? Acordou atrasado hoje!

Ítalo reflete. Agora que está mais familiarizado com o pesadelo que o coloca de um corpo para o outro depois da meia-noite, compreende que está brigando com o tempo enquanto este brinca consigo e que precisa lidar com ele antes do fim.

- Quantas horas são?

- Ham, quase oito. Ainda vou pra escola?

Ítalo olha para o garoto e depois pra cadeira de rodas e vice-versa. Como que munido pela essência adormecida do homem, começa a executar seu papel, mesmo que com um pouco de hesitação. Se já não bastasse ser uma pessoa com deficiência, ainda tinha um filho. Onde está a mãe do garoto que não o leva pra escola? Cresceu acreditando que os filhos devem ser cuidados pelas mães com as quais tem mais conexões desde a gestação até eles atingirem a maioridade. O pai deve prover o bem-estar financeiro e a qualidade de vida da família trabalhando fora.

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