Chance número oito

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— Ei, ei irmão! — Ítalo acorda com alguém lhe cutucando. Um vento gélido perpassa seu rosto e sente-se como se estivesse dentro de um refrigerador ligado em sua potência máxima. Olha ao redor, bastante desnorteado. Não conhece seu interlocutor e tudo indica que não voltou pro seu corpo como pensou que aconteceria caso morresse durante o pesadelo. A lembrança de Hassan e seu último momento ao lado dele faz seu coração falhar uma batida. Havia morrido com a explosão no ninho quando era uma formiga, mas como se tratava de um inseto não achou importante levar em consideração, porém, podia estar até enganado, mas algo lhe dizia que aqueles homens atiraram neles, ainda sentia a dor do projétil, até então achava que era só por causa do frio intenso do local. — Ei! Tá chapado? — o homem questiona impaciente.

Ítalo ajeita o corpo, e se mover com os ossos praticamente congelados é extremamente doloroso. Esbarra em uma pequena garrafa vazia e se dá conta de que o homem na sua frente deve estar se referindo ao álcool que aparentemente contia ali. E pelo próprio bafo significa que bebeu até a última gota.

— O que está acontecendo? — indaga atordoado.

— Os cristãos da sopa chegaram e se você não dar um jeito de levantar seu traseiro daí e entrar na fila vai ficar sem jantar! — o homem o encara esperando por alguma resposta, mas o outro parece assimilar o que ele acabou de dizer. Bufa. — Depois não diz que eu não avisei! — dispara e se levanta indo pra fila que já está enorme.

Ítalo dá mais uma olhada ao redor. Uma fogueira dentro de um latão se esforça pra se manter acesa em meio ao vento gélido da noite cinza. Está debaixo de um viaduto e se dá conta de que dessa vez o pesadelo lhe mandou pra experimentar a vivência de um morador de rua. Logo ele que odiava essas pessoas com todas as forças! Avista aquelas pessoas servindo a sopa e se recorda de quando era adolescente e junto com alguns amigos envenenou umas marmitas pra dar pra alguns e o resultado foi óbvio: eles passaram muito mal com uma intoxicação alimentar. Pra eles era só uma brincadeirinha, não tinham noção das consequências devastadoras de seus atos inconsequentes ou tinham e simplesmente não ligavam. De repente é tomado por um surto e corre até aquelas pessoas. Pega algumas marmitas e joga fora aos berros:

— Isso está envenenada! Não comam! Não comam!

Um burburinho se alastra e dois homens o seguram, tentando acalmá-lo.

— Dá um desconto pra ele! Ele bebeu demais! Sabe como é né? Ajuda a esquentar! — o colega atenua tocando o mesmo no ombro. Os evangélicos se certificam de que o homem está mais calmo e o soltam, deixando-o ir com ele. Dá uma risadinha sem graça e o puxa pra longe dali. — Pirou, foi? Não é a primeira vez que comemos dessa comida e você sabe que é tudo limpinho! Essa gente é de bem! — o repreende.

— Eu, eu, desculpa... Não sei o que deu em mim... — diz passando a mão pelo rosto e a barba cheia. Sempre odiou pelos no rosto, achava pouco higiênico e adorava exibir toda beleza de sua cara sem nenhuma imperfeição.

— Vê se fica quieto aí que vou ver se dá pra descolar alguma coisa pra encher o bucho, seu idiota! — ralha e sai andando.

Ítalo encosta a cabeça no concreto tentando controlar a respiração. Que espécie de maldição, de castigo era aquele? Quando aquele suplício terminaria? Se aquilo era pra fazê-lo refletir, se tornar alguém melhor, ou se estava pagando pelos seus pecados, havia aprendido a lição e só queria voltar pra casa, pra sua vida! Espera... E se ele tivesse mesmo morrido no mundo real e estivesse no inferno? É, só podia ser! Seu inferno era encarar e expiar todos os seus preconceitos e suas ignorâncias! Não poderia ter outra explicação!

Seu colega reaparece durante seu devaneio.

— Toma, come aqui, deixei um pouco pra você — oferece dando o que sobrou da refeição.

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