Chance número seis

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Ítalo sempre se sentiu superior as demais criaturas. Vivia em um pedestal alimentando seu ego com a ideia de que era um privilegiado por deus por ter nascido com saúde, uma boa aparência e uma situação financeira invejável. Se as outras pessoas queriam culpá-lo por fazer parte de um seleto grupo de abençoados, que se resolvessem com deus ou a natureza. Estava mais preocupado em viver todas as regalias que o seu privilégio lhe proporcionava, bom, isso até começar a se sentir extremamente pequeno, não por falta de segurança ou autoestima, pelo contrário, desfazer a imagem egoica que possuía de si mesmo, irá demorar praticamente uma eternidade, e a vive desde que foi amaldiçoado. Sente-se literalmente pequeno, com patas e antenas. É uma formiga. Um inseto no sentido literal da palavra. O que seria cômico se não fosse trágico, uma vez que ele tratava as pessoas assim, como se fossem meros insetos que ele poderia esmagar a qualquer momento, pelo menos as que achava inferiores a ele. As que estavam acima da cadeia alimentar do sistema cruel da sociedade, tentava ao máximo se igualar para então ultrapassar e tomar o lugar em um momento oportuno.

- Ei, sua idiota! - leva um beliscão na bunda quando se dá conta do que é e onde está, quer dizer, para onde estava indo até ser contido. - Se for por aí, vai ser esmagado pelas rodas daqueles troços enormes! - alerta apontando os carros passando em câmera lenta pela avenida. - Sua vida não é lá muito longa e já quer morrer? Bem que eu disse pra rainha que você ainda não estava preparada pra deixar o ninho! É muito tonta e lenta!

- Eu não sei o que está havendo... Pode me explicar?

- Mas é uma imbecil mesmo né? Já te expliquei mil vezes desde que saímos do ninho e antes mesmo de iniciarmos a missão!

- Posso saber que missão é essa? - Ítalo investiga meio atordoado por estar em um corpo tão pequeno e frágil e ainda por cima entender o que aquela formiga fala. Afinal, formigas falam? É o que parece. Só que os humanos não percebem e nem fazem questão de entender, com exceção dos mirmecólogos.

- Em que mundo você vive? - bufa, quase avançando nela pra lhe dar uma lição. Estava perdendo tempo demais explicando o óbvio. - Temos que reunir o máximo de comida que conseguirmos antes do inverno!

- Ah! Mas no meio da rua?

- Sim, no meio da rua! Caso não tenha percebido, os gigantes estão destruindo a natureza e só nos resta urbanizarmos! Temos que dividir espaço com essas criaturas horrendas porque sem alimento a gente morre! Entendeu agora? - impaciente, a colega mais experiente fala e já sai andando rápido pra acompanhar o grupo que se desloca agilmente na calçada, procurando os pontos que foram denominados seguros pelas exploradoras.

Ítalo olha ao redor com seus dois olhos externos e múltiplos internos e tem uma prévia do que a outra alega, apesar de não enxergar como um humano. A pouca grama existente está seca e ao invés de árvores, só há troncos cortados pela metade. Quando era humano, até via isso, mas não se importava. E por que iria se importar? Seu único objetivo era ganhar muito dinheiro, ter status e aproveitar as regalias que sua posição o proporcionava. Quando se dá conta de que está ficando pra trás, sai andando depressa pra perto da formiga mais experiente que ele.

- Pra onde estamos indo? - indaga curioso.

- Tem uma casa não muito longe daqui. Os gigantes que moram lá são meio desleixados. Eles deixam restos de comida espalhados por todo canto da cozinha. É um ótimo lugar. É bem farto. As irmãs exploradoras que acharam. Agora seguimos o rastro que elas deixaram até lá. Cuidado! - a boa samaritana o empurra para o lado assim que avista um gigante passando depressa pro que entendia ser a agilidade deles. - Caralho! Quase que você foi esmagada! Você me deve mais uma hoje!

Ítalo está ofegante.

- Puta merda! Nem sei como te agradecer.

- Trabalhando mais e sendo menos estúpida! - a formiga solta uma espécie de ar de indignação revirando os olhos. - Estou sentindo o cheiro da exploradora naquele gigante, acho que estamos indo pro mesmo lugar que ele! Acelera que as barreiras do caminho são perigosas! Muitas de nós não vão chegar vivas!

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