Sereia Bibi

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     O mar estava estático, era a primeira vez que ele ficava estático desde que saímos do porto de Valência, meu feitiço de aceleração durou umas quatro noites e me adiantou exatamente quatro noites, os 21 dias viraram 17, mas iam diminuir mais ainda, eu só estava esperando cair a noite para fazer outro feitiço de aceleração que iria nos render umas cinco noites e as 17 iriam virar 12 e assim por diante, quando uma pergunta desconcertante e no meio de todo mundo me tirou do devaneio, e eu odeio sair do devaneio se estou de costas para o príncipe

-- Dói? -- Pisquei, mas não me virei

-- Dói o quê?

-- Ter filho

-- Com certeza... Mas eu não sei, eu nunca tive

-- Não pretende? -- Alberto apareceu bem na minha frente e tive vontade de sumir dali como uma lâmpada se apagando

-- Não faço ideia... Gosto da minha vida como está agora -- Mentira -- Nunca conheci outros bruxos -- Mentira e mesmo que se fosse verdade eu não me via me casando com alguém que não fosse Alberto -- Isso é uma questão íntima demais para se perguntar a uma dama -- Alberto não era dado a maneirismos de gênero, as vezes ele me tratava como a um amigo, em um local em que marinheiros tratavam mulheres ou como meretrizes ou como potenciais noivas, eu nunca o vi tratar outra mulher como uma dessas duas formas, era sempre tão natural e desinteressado com todos

-- Bibi tem razão -- Mafalda falou saindo de dentro do barco para a parte externa -- Não se sai perguntando uma coisa dessas a uma mulher, não se sai perguntando nem a um homem

-- Eu só perguntei sobre o que me espera -- Se explicou Teddy

-- Oh, mas é claro meu amorzinho, eu não estava falando de você, meu garotinho lindo, mas não se preocupe com isso agora, Bibi não vai te deixar sentir dor -- Ainda bem que eu estava de costas porque ela iria me ver revirando os olhos, nunca ajudei nenhum rainha a não sentir dor na hora do parto porque os malditos médicos religiosos diziam que era uma punição divina as mulheres, mas o cenário era tão diferente agora

-- Eu penso em ter uma família -- Disse Alberto -- Foi muito triste ter crescido sozinho, eu quero construir uma família e viver em uma casa a beira mar, viajar só de vez em quando e ser feliz para sempre

-- Ninguém é feliz para sempre -- Eu disse quase por impulso -- Eu sei, eu vivo para sempre, não é possível ser feliz por tanto tempo

-- O sempre tem significados diferentes para nós, Bibi, eu não vou viver para sempre, até a morte para mim é para sempre e acho que em um período de tempo de cem anos é possível ser feliz -- As vezes eu pensava em renunciar minha imortalidade por ele

-- E que tipo de esposa pensa ter, Alberto? -- Perguntou Mafalda com certa malícia, não deu tempo de impedi-la

-- Alguém que me ame, claro, que seja a minha amiga, escute as minhas histórias, me conte histórias... Esteja comigo sempre... Em corpo ou em alma, que ame o mar e que também queira ter filhos, eu quero ter pelo menos uns três -- me teletransportar para dentro daria muito na cara, então pedi licença e fui andando mesmo.

Eu não queria mesmo ter me apaixonado por Alberto, mas o infeliz era tão... Eu respirei fundo para me acalmar, eu queria ficar com ele, mas não sei se ele já me olhou alguma vez com alguma coisa além de amor phílico, antes que Mafalda aparecesse eu abri o meu livro de encantos e comecei a editar a versão sirênica em que eu teria de me transformar para ir procurar os cavalos marinhos. Sempre achei as sereias muito lindas, quando eu era bem criança os meus pais me levaram para visitar um recife de sereias e todos nós nos transformamos em formas sirênicas, eu pedi para me darem uma cauda amarela, foram férias muito divertidas

A Bruxa de ValênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora