A Conquista Normanda - Capítulo 01

14 1 0
                                    

Inglaterra, 1105.

Sendo um dos braços direitos do rei Henry I em Londres, uma das incumbências de Royce Beaumont era receber nobres de segundo escalão em audiência de modo que suas questões pudessem ser resolvidas sem a participação real. No final daquela tarde, ele já estava prestes a encerrar a longa fila que se iniciara ainda de manhã cedo, quando gritos femininos abafados na antessala chamaram sua atenção. Trocou olhares com seu escudeiro, que após averiguar o que se tratava, trouxe a sua presença uma mulher esquálida envolta em roupas puídas, cuja idade era difícil precisar ao primeiro olhar. Soltando-se dos guardas que a continham, ela curvou-se lentamente frente ao nobre, aguardando que ele lhe dirigisse a palavra.

- Qual é o seu nome e o que aconteceu? - perguntou-lhe Royce enquanto levantava sua mão, sinalizando-lhe que se erguesse.

Os olhos azuis muito claros destacavam-se no rosto encovado, fazendo supor que ela fora muito bonita antes de a vida a ter maltratado tanto.

- Meu nome é Aisly Deschamps, meu senhor. - ela ainda ofegava pelo esforço anterior, pronunciando com certa dificuldade as palavras. - Estou doente. Não posso mais tomar conta de meu filho.

Ela apontou um garoto de feições igualmente emaciadas que se encontrava atrás dela, o rosto sujo envolto em um gorro maior do que sua cabeça. A criança aprumou-se, chegando perto da mulher ao ser chamado. Sua expressão infantil era de desafio, como se pretendesse proteger a mãe dos homens que a cercavam.

- Onde está o pai da criança?

- Morreu em batalha, meu senhor.

- Ninguém de sua família pode ajudá-la?

- Não, senhor. Como eu e o pai não nos... casamos, minha família se afastou de mim após nosso filho nascer.

A despeito de sua evidente pobreza, ela não se parecia em absoluto com uma das típicas prostitutas que acompanhavam os soldados, pensou Royce intrigado. Além disso, sua pronúncia era mais refinada do que seria de se esperar em alguém da sua condição.

- Se aparentasse mais saúde, poderíamos encaminhá-la para servir a alguém, sustentando-se com seu trabalho. - Ele considerava a questão em voz alta, mais para si próprio do que para ela. - Mas assim como está, só lhe resta a igreja para que você e seu filho recebam algum amparo.

Supostamente, era papel das ordens religiosas amparar os desvalidos,mas todos sabiam que estas, em sua maioria, preocupavam-se mais com manter seus prédios do que com cuidar dos pobres.

- Sim, senhor, mas antes disso eu preferi procurar um parente do pai dele.

- E o que ele lhe disse?

- Ainda estou esperando pela resposta.

Ela então retirou o gorro da cabeça do menino, limpou a fuligem de seu rosto como pode e afastou a franja comprida e desarrumada de seus olhos, indicando a Beaumont com o olhar que prestasse mais atenção ao rosto da criança. As feições infantis pareceram muito familiares a Royce, que mesmo assim não conseguia acreditar no que seus olhos lhe mostravam.

- Qual é o nome do pai dele? - indagou, sem deixar transparecer nenhum sentimento de sua parte.

- Gilles. Gilles... Beaumont, senhor.

Então era isso. O menino indubitavelmente era a cópia de seu irmão quando criança. Royce fez um sinal aos presentes para que o deixassem sozinho com a mulher e seu filho e continuou a interrogá-la.

- Quando e como o pai dele morreu? - Perguntou-lhe, sem ainda dar a reconhecer que havia identificado os traços do menino.

- Lutando em Northumbria, meu senhor. Há cinco anos.

Gilles, seu irmão mais jovem, havia se afastado da família após se juntar às forças normandas no norte do país. Depois disso, não haviam recebido mais notícias dele, supondo-se que ele havia desaparecido em ação.

- E por que ele não reconheceu o menino?

- Prometeu casar-se comigo, senhor. Porém, logo após saber que eu estava grávida, ele faleceu. Por algum tempo, consegui trabalhar para nos manter... mas depois... - As lágrimas começaram a correr silenciosamente pelo rosto da mulher. - Lamento trazer-lhe este problema. Mas o senhor é a única esperança que restou para que Marc tenha uma vida digna.

Muito provavelmente ela havia sido apenas mais uma na longa lista de conquistas de seu irmão, que sempre fora um estouvado. Mas, Beaumont, mesmo sendo um homem endurecido pela vida, não conseguiu reprimir o sentimento de compaixão diante da condição do sobrinho e da mulher que lhe dera a luz.

- Ele tem quantos anos? - Ele perguntou enquanto estendeu a mão para afagar o cabelo sujo do garoto que retraiu-se antes que conseguisse tocá-lo.

- Doze, senhor.

A subnutrição fazia parecer que o garoto tinha bem menos, considerou Royce.

- Não se preocupe. A partir de hoje, vocês estarão sob minha proteção.

Certamente a criança não merecia pagar pelos erros de seus pais, considerou Royce. Porém, o amparo que receberia deveria bastar-lhe, pois a despeito da notável semelhança do menino com seu irmão, o garoto nunca poderia ser oficialmente reconhecido com o sobrenome dos Beaumont devido a sua condição de bastardo.

A Conquista NormandaOnde histórias criam vida. Descubra agora