A Conquista Normanda - Capítulo 02

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Inglaterra, 1110.

William Peverel fitou a construção debruçada sobre o penhasco que encobria a visão da pequena aldeia além do vale.   O castelo e as vastas florestas de Derby ao seu redor faziam parte dos domínios que o tornavam um dos homens mais poderosos de todo o território britânico.   Alguns observariam com ironia que tal prestígio decorria, antes de mais nada, de sua semelhança com o rei normando de quem tinha o mesmo nome, muito mais do que de seus feitos em batalha. Comentava-se que sua mãe, uma vez grávida, fora casada com um membro da família Peverel em troca de um dote oferecido pelo verdadeiro pai da criança, na ocasião apenas um jovem aspirante a Duque da Normandia.

Peverel havia nascido e crescido na Inglaterra e a verdade sobre sua origem lhe foi revelada quando alcançou a adolescência e acharam por bem enviá-lo a William para que fosse preparado e sagrado cavaleiro. Não fora fácil para o jovem ainda franzino adaptar-se à corte normanda, mas diante da deferência com que era tratado pelo pai biológico, ainda que sua condição de filho não fosse admitida, desenvolvera-se entre eles uma tal relação de amizade que ele se tornou um dos principais homens de confiança daquele que viria a ser o primeiro rei normando na Grã-Bretanha. Depois de alguns anos, William Peverel participou da conquista de sua terra natal, inteligentemente satisfazendo-se com os altos privilégios e vastos territórios com que foi recompensado, ao invés de inutilmente tentar disputar a linhagem real.

Agora, em troca de seu apoio a Henry I contra o irmão Robert, mais uma propriedade saxã se tornava sua tributária: Pennfield. Não era vasta ou imponente como os castelos de pedra normandos, mas os esforços de sucessivas gerações haviam resultado em uma ampla e irregular construção apta a abrigar proles numerosas. Esparsos pela propriedade, trabalhadores plantavam e cuidavam de seus rebanhos, embora fosse cada vez mais difícil fazer com que o volume produzido satisfizesse a ambição dos normandos.

Wilfred, o senhor de Pennfield, acertadamente imaginou estar frente a normandos ao deparar-se com os visitantes inesperados. Eram um homem adulto, de feições altivas, junto a um adolescente, que pela similaridade de traços devia ser seu filho.   Pelas suas posturas arrogantes e roupas caras, era fácil deduzir que deveriam ter uma posição social acima de meros cobradores de impostos.  

– Bom dia... – O saxão cumprimentou-os com expressão inquisitiva.

– Bom Dia, Senhor... Wilfred de Pennfield? Sou William Peverel, cavaleiro do rei. Podemos conversar? – A expressão do normando, apesar de demasiado segura de si, não era de confronto. 

Após ser convidado ao salão principal da casa, Peverel apresentou a Wilfred uma ordem escrita real que sumariamente tornava sua propriedade tributária dos Peverel a partir do recebimento daquele documento. O saxão sabia que pouco poderia fazer para reagir diante daquela imposição sem colocar a segurança dos seus em risco e tentou não deixar transparecer a revolta que pulsava em suas veias diante da prepotência normanda. 

Do lado de fora, o rapazinho que os visitava era apreciado com curiosidade pelos poucos servos que circulavam a volta da casa àquela hora e por Stewart e Audrey.  O jovem Peverel retribuía os olhares de curiosidade que o examinavam com uma expressão de orgulho pelo que considerava sua evidente condição superior.  Mas quando seus olhos deram com as curvas precoces da adolescente saxã, um brilho diferente iluminou seu olhar e ele apeou do cavalo, obviamente com a intenção de dirigir-se a ela.

– Quem é você?  – perguntou Stewart, interpondo-se no caminho do estranho.

– William Peverel Filho, a serviço do rei.

– Eu sabia... Um normando! – Stewart completou a bravata com uma sonora cusparada para o lado, como os adultos comumente faziam.  

O recém-chegado aproximou-se do rosto de Stewart, mais jovem e menor do que ele, sussurrando-lhe:

– Eu poderia espancá-lo agora mesmo pelo que disse! – O normando se afastou concluindo com ar triunfante. – Mas ainda é uma criança. Por isso vou perdoá-lo ... desta vez.  

Stewart sentiu sua onda de indignação transformar-se em um impulso para enfrentar o estranho, mas ao observar o normando tocar sua espada, refreou seus instintos. Percebendo o dilema do saxão, Peverel aproximou-se de seu oponente e tornou a sussurrar-lhe, agora sorrindo:

– Além do mais, seria uma pena nos indispormos. Quero conhecer melhor a bela dama...

Audrey, que assistia a tudo, lançou-se ela mesma com os punhos erguidos sobre o estranho. Peverel Filho pareceu achar graça no ataque da saxã,  limitando-se a imobilizá-la.   Stewart então decidiu se juntar à irmã para lutar contra o  normando com as mãos nuas, quando uma voz forte os interrompeu:

– William!!!

O tom ríspido e autoritário de William Peverel paralisou a todos imediatamente, incluindo seu filho.  O imponente cavaleiro normando, sem alongar-se em comentários, manifestou um único altivo pedido de desculpas pela inconveniência do filho, despedindo-se assim de Pennfield. Mal sabiam ambas as famílias que seus destinos iriam se cruzar de perto ainda mais vezes no futuro.

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⏰ Última atualização: May 08, 2015 ⏰

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