Discussões e arrependimentos

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Eu adorava o barulho do Oceano.

Já fazia quase dois anos desde que o último tormento de Viego havia acabado. Devastado, abandonado e finalmente, aprisionado aqui em Alovédra, o derrotado Rei Destruído lentamente se tornava uma memória ruim na mente de pessoas comuns, uma história para assustar crianças mal criadas, e em mais alguns anos, se tornaria nada mais um conto. Ao menos, era isso que me diziam.

Estiquei a braço para cima, em direção ao céu azul, sentindo a brisa marítima entre meus dedos. Seu cheiro um misto de sal e flores silvestres. A paisagem das ruinas do castelo do Rei sempre era tão calma e pacifica, mesmo para um local tão banhado de sangue e tragédia. Mexi os dedos levemente e não precisei sequer me esforçar para fazer Santidade se materializar em minha mão, seu peso cada dia mais comum para mim.

Eu odiava ter essa espada.

Ela era minha sina, minha maldição, minha prisão, assim como havia sido para Viego. No entanto, isso não era um problema. Tinha sido minha escolha sofrer com ela pela eternidade. Era a única maneira de garantir que caso o Rei Destruído voltasse, teríamos algo ou alguém que pudesse detê-lo. E certamente tinha sido uma ideia inteligente de Thresh para também me manter cativa até que ele decidisse voltar.

Com um suspiro, deixei com que a espada sumisse de meus dedos e me levantei, limpando a grama e pétalas de minhas roupas. Sentindo a terra fresca entre meus pés uma última vez, me dirigi as ruínas do castelo. Já conhecia esse lugar tão bem quanto a palma de minha mão, portanto não me demorei em ir até a sala do trono.

Quanto mais tempo passava, pior se tornava a destruição aqui. Grande parte de suas enormes pilastras já haviam a muito desmoronado, o piso estava lotado de poeira, vidro quebrado e pedaços do teto que haviam a muito caído. O castelo inteiro era mais como uma carcaça apodrecida de um império a muito esquecido. Fantasmas e espectros gemiam e gritavam nas profundezas do edifício, porém não sentia medo deles. O trabalho de uma Guia-Almas é cuidar, exorcizar e controlar almas presas no plano errado, portanto se sentia algo por eles, era mais pena do que qualquer outra coisa negativa. Eram apenas pobres almas solitárias, sem qualquer guia, companhia ou alguém para escuta-los. Há muito tempo, me incomodei e tive medo do fato de ter me tornado algum representante esquisito da morte. Não mais. Agora, a morte e eu éramos uma, andando lado a lado. Nunca viva, nunca morta, esse era meu destino.

A própria magia no ar, na terra, na água e no fogo me contavam suas histórias, suas mortes, seus objetivos, seus sacrifícios. E era por isso que toda vez que possível, os chamava até mim e lhes guiava para o caminho correto até o pós vida, livrando-os da corrupção da névoa e ruína. Era engraçado pensar que o inimigo mortal de Viego era simplesmente minha capacidade de escutar, perdoar e dar conselhos com minha voz mágica.

E mesmo assim, essa capacidade incrível e maravilhosa que deveria estar sendo usada para o bem do mundo estava trancafiada em um continente estrangeiro, cuidando de um morto do qual não pode guiar para o plano espiritual. Suspirei com irritação e deixei meu olhar repousar sobre a forma do próprio Rei Destruído, selado em frente a seu tão amado trono, preso com linhas e agulhas feitas de Névoa Sagrada pura de um costureira mágica.

Com a mão direita, limpei a poeira de um pedaço qualquer caído de uma das pilastras e me sentei, apoiando o rosto nas mãos com tédio, examinando atentamente a prisão de Viego, atrás de alguma falha ou fraqueza. Nunca havia nada. Ele, assim como a mim, tinha aceitado a própria prisão a tempos.

"Nada de novo para mim, não é mesmo, Majestade?" Falei em voz alta, sabendo que jamais teria uma resposta. Queria ao menos ter algo para fazer. Era ridículo que a última das Guia-Almas existentes estivesse presa cuidando de um morto-vivo que sequer falava. A não ser que...

Oneshots do lolzinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora