Capítulo 2 - O Chamado

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Quando Marcos abriu a porta, sua expressão de horror não podia ser mais clara. Chegava a ser curioso, mas ao chegar mais perto dele, o arrependimento bateu fortemente. A cena da diretora pendurada no teto pelo pescoço era impossível de ser ignorada. Pior que, Apollo se encontrava no mesmo estado que eu, aterrorizado. Eu achei que ele aguentaria o tranco, não me pergunte o motivo. Marcos se virou para nós e nos abraçou, usando seu corpo para tampar nossos rostos para que não olhássemos aquela cena. A única coisa que podia ouvir era ele mesmo falando no rádio chamando a segurança e pedindo para ligar a polícia.

Depois que todos chegaram, a polícia recolheu o corpo do local e fechou a sala, colocando também aquelas fitas amarelas escritas "cena do crime". Eu e o Apollo estávamos na sala da psicóloga, ela havia nos dado bebidas quentes para tentar nos relaxar, mas mais relaxados que estávamos era impossível. Chegava a dar medo o quão tranquilos estávamos perante aquela situação toda; não sei quanto ao Apollo, mas eu nunca teria presenciado ver um corpo falecido a minha frente, e mesmo assim não fazia a menor diferença, o menor impacto em mim. Analisando bem, era quase como se fôssemos ou pudéssemos ser, suspeitos de cometer o crime, um fato descartado porque dona Gertrudes se matou sufocada.

A diretora Gertrudes era uma senhora de idade, já nos seus últimos suspiros; minto! Ela estava na casa dos 50, mas trabalhar naquela escola que só tinha Zé droguinha, alguém nessa idade não aguentaria não. O nome dela, Gertrudes, me faz rir toda a vez que menciono, fico curiosa quem foi o idiota que quis nomear ela assim, acho que até eu me mataria possuindo um nome desses. Uma brincadeira pesada, desculpe, meu humor é um tanto quebrado. Se bem me lembro, a diretora possuía dois filhos e alguns netos, o filho mais velho se mudou com a esposa para o interior do país, junto com os filhos. Já o mais novo, que na verdade é "a mais nova", ainda morava com a mãe fazendo companhia, mais a sua filha. Sendo sincera, ela morava com a diretora por ser mãe solteira, então era quase como um refúgio do que companhia. Tanto a filha quanto a neta iam para a mesma escola que a diretora. A filha, senhorita Olga, ela detesta que a chamemos de senhora porque a faz se sentir velha, devia estar com uns 35 anos, por aí. Olga era a assistente da diretora, se já não bastasse ficar grudada com a diretora em casa, imagina na escola, isso porque Olga não foi formada em nada, por isso não podia assumir nenhum cargo de mentoria, então ou ela seria a faxineira da escola, ou a diretora simplesmente criaria um cargo e dar para ela para que a mesma pudesse dizer que estava empregada. Família tem seus benefícios. Já a neta, filha da Olga, ela era da minha turma, a responsável pelo rumor do Apollo. E como se não bastasse, ela foi uma das amantes do mesmo, pelo menos, das que ele oficializou. Na verdade, amante é muita coisa para o que ela era, direi cachorrinha ao invés disso, porque o jeito que ela queria ser grudada nele, respirar o mesmo ar que ele e dar a bunda... São apenas fatores de uma... Tu sabe muito bem o que eu quero dizer. Mirta, o nome da cachorra, digo, da neta da diretora; ela dizia ser mais que uma amante de Apollo, namorada dele! Dizia que iam se casar, viver juntos, quando na verdade, ela não passava de um brinquedo para ele. Eles já oficializaram namoro várias vezes aliás, porém todo mundo sabe que não é amor que rola ali, rola outra coisa... meia noite te conto.

Ao fim do dia, apenas fomos liberados quando nossos pais chegaram. A preocupação deles conosco era surreal, quase como se o acidente tivesse sido conosco e não com a diretora. Foi questão de chegar em casa que minha mãe recebeu uma mensagem da escola dizendo para doar x à escola. Estavam querendo fazer um velório, minha mãe, claro, iria doar a quantia pedida, afinal a senhora Gertrudes também foi diretora de minha mãe. Dava para ver que ela estava abalada por isso, mas meu silêncio era quase uma confirmação de que eu estava pior. Ela perguntava toda a hora se eu queria algo, para não me esforçar, dizer para ela meus sentimentos, mas não tinha nada a dizer o que intensificava mais ainda o julgamento dela. Chegava até a dizer que eu poderia faltar às aulas se fosse o caso, tentador, se fosse meu antigo "eu" nem pensaria duas vezes, porém a de agora está preocupada de mais em passar de ano.

Terminava de me arrumar, ao relógio eram exatamente 6:30 da manhã, a triste realidade de quem precisa pegar o busão pra ir pra escola e rezar de que venha um o menos cheio possível. Sim, menos cheio porque vazio ou perto disso nunca irá vir, é só a realidade. Cheguei na escola bem dez minutos pro sinal bater, para você ter noção, minha aula começa às 8, mais de uma hora naquele ônibus lotado só para chegar aqui. Meu lugar era a primeira carteira bem colada à mesa do professor, por que? Simplesmente porque ele quis, na verdade, todos eles gostam de me ter ali. Com a morte da diretora, muitos se questionavam por quê a escola não cancelou as aulas. Eles queriam, mas pelas provas estarem chegando, não podiam arriscar. Já estavam adiando a semana de provas para ser em duas semanas, pois as férias de verão começam em 4 semanas sem contar com a de agora. Irei te explicar o que eles combinaram. Vou nomear as semanas por números, vai ficar mais fácil. Semana que vem é a primeira semana, por conta do velório ser neste sábado, quiseram dar um tempinho para os alunos processarem essa "dor" e acontecimento, não só os alunos quanto os professores, tinham muitos que eram bem próximos a ela. Na segunda semana é a semana de prova, pois é, eles querem liberar uma semana pros alunos processarem mas querem os fazer estudar, mas faz sentido o que eles pensaram, porque se liga. Na terceira semana eles fazem a correção de todas as provas de todas as turmas da escola e a quarta e última semana são os resultados. Ao invés de sabermos se ficamos de recuperação ou não nas férias e cancelar todos os planos, já sabemos em época de escola e os alunos conseguem se programar. Eles explicaram também que a prova está de fato mais fácil e que receberemos um maior apoio por conta do incidente.

A aula já rolava por algumas horas, minha cabeça estava incapaz de focar, era só olhar para meu rosto para ver que eu não estava muito bem e por isso, nenhum professor ousou me perguntar qualquer coisa; pelo menos eles me respeitam quanto a isso, me deixa feliz. Após um bater de porta que não foi ouvido por mim, a porta se abriu me dando um enorme susto. Um dos conselheiros da escola entrou seguido de Olga e do delegado de polícia.

— Olá crianças... — Olga queria se mostrar preocupada conosco mas desabou no choro. O conselheiro acolheu-a e a acompanhou pra fora de sala.

— Bom dia alunos! — Firme, o delegado se pronunciou chamando a atenção de todos para ele. — Sinto muito pela perda da querida diretora de vocês... ou nem tão querida assim. — Sinto que ele sabe de alguma coisa e tá doidinho de arrastar alguém daqui. — Quantos de vocês não gostava dela?

— Calma ai delegado... eles são apenas crianças... — Interrompeu o professor.

— Não me ensine a fazer meu trabalho. — Ele se vira novamente para nós. — Anda! Quem aqui não gostava dela, levantem o braço. — Todos levantaram menos três pessoas: eu, Mirta e Apollo. O delegado olhou furioso para Apollo, mas por que? — Apollo venha comigo, você está sobe minha custódia até que sua inocência prove o contrário!

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⏰ Last updated: Oct 09, 2022 ⏰

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