O próximo final de semana de Alice seria bastante cansativo, pois ela estava para sair de seu apartamento e a mudança aconteceria no sábado. Sua casa atual era muito longe de seu serviço e também da casa de sua mãe, de modo que não fazia sentido continuar morando ali. Durante a semana Alice já estava cuidando dos detalhes da mudança, separando suas roupas e seus pertences em caixas, tudo isto para que a mudança fosse feita em um só dia. Além disso, após a mudança Alice sairia para comemorar o seu aniversário, deixando o seu tempo ainda mais apertado. Por estes motivos, nós não poderíamos ficar juntos naquele fim de semana. Começamos então a pensar em uma forma de contornar este problema, para não ficarmos tanto tempo longe um do outro. Basta reparar que desde a primeira vez que nos vimos nós ficamos juntos todos os finais de semana. Tivemos a ideia então de nos vermos na terça-feira, eu dormiria em sua casa e iria embora na quarta-feira de manhã. Esta seria uma data especial, pois completaria um mês desde o nosso primeiro encontro. Foi Alice quem reparou nesse detalhe, eu nunca fui bom para memorizar datas. Além disso, nos veríamos novamente no final de semana seguinte, nos dando mais tempo ainda juntos em uma única semana. Eu estava saltando de alegria e não via a hora de estar ao seu lado novamente, afinal eu estava vivendo um sonho acordado, o melhor dos sonhos que eu jamais fui capaz de imaginar em toda a minha vida.
Ouso interromper este relato para vos falar sobre algo que, provavelmente, teve grande influência em nossa história, ao menos em seu desfecho. Em minha lista de livros a serem lidos futuramente se encontrava um em especial do qual eu já comentei aqui, Os Sofrimentos do Jovem Werther. Confesso que por duas vezes eu iniciei esta leitura e não fui capaz de passar da terceira ou quarta página, mas não pelo seu peso e sim pelo desinteresse, até porque as primeiras páginas são muitíssimo agradáveis. Eu sempre acreditei que existe o momento certo para fazer uma leitura como esta e, em se tratando de Werther, o momento era perfeito. Afinal, assim como ele, eu estava perdidamente apaixonado e seria capaz não somente de entendê-lo, mas de sentir o que ele sentia. E foi justamente nesta semana anterior à mudança de Alice que eu entrei de cabeça nesta maravilhosa leitura.
No sábado, dia da mudança, passei quase o tempo todo lendo em minha cama, apreciando cada palavra apaixonada de Werther e me identificando com a intensidade de sua paixão. Sempre que eu encontrava algo profundo dito por Werther, tratava de enviar uma foto das páginas com o trecho para Alice e, mesmo estando ocupada, ela me respondia o mais rápido possível. Nós não tivemos tempo de manter uma conversa, mas trocamos algumas mensagens desde o início do dia.
Se olharmos para todos estes detalhes, podemos reparar novamente que tudo ia pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis. Eu estava completamente satisfeito com a nossa situação, o que me fez procurar pelo meu inferno novamente e acrescentar a toda esta sensatez positiva o meu elemento fantástico e destrutivo². O ciúme que havia em mim foi capaz de me tomar por completo, de maneira que, ao final da noite eu já não conseguia deixar de imaginar Alice com outra pessoa enquanto se divertia com os seus amigos. Tais pensamentos e fantasias tiraram o meu sono, não preguei o olho por um segundo sequer naquela madrugada, envolvido por uma ansiedade que me fazia remexer em minha cama de um lado para o outro. Após muito tempo acordado, pouco antes do amanhecer, consegui pegar no sono. Porém, acordei no início da manhã e decidi colocar para fora toda a minha loucura e insatisfação. Pensas que eu fui direto ao ponto, dizendo o quanto eu estava sentindo ciúme e perguntando para Alice se ela tinha conhecido outra pessoa? Estás enganado! Tolo e infantil, sem saber me controlar e me expressar, desviei o foco de meu desgosto e inventei outro motivo de insatisfação, imaginando que este seria menos pior.
Caro leitor, aqui está a causa da destruição de um amor que não existiu, de uma história que deu sentido à minha vida, aqui vos deixo o meu lado mais mesquinho e ignóbil, capaz de acabar com a beleza desta paixão: completamente descontrolado, falei para Alice que ela não foi capaz de me dar um pouco de atenção no dia anterior, que ela não se preocupou em me ligar no final do dia para perguntar como eu estava e se despedir antes de sair para se divertir. Cometi uma grande injustiça, reclamando por algo sem fundamento, levado por um medo covarde de dizer a verdade sobre o que eu estava sentindo.
Ao acordar e ler a mensagem, Alice ainda foi capaz de me chamar de "Meu bem" e de explicar o quanto aquela mensagem tinha sido ofensiva. Depois disso, nos falamos por telefone e Alice demonstrou grande descontentamento com toda a situação. Após um tempo de conversa, ela já não tinha mais certeza sobre o futuro de nossa relação, pois estava extremamente chateada e confusa com a minha instabilidade. Com isto, sua única opção seria frear o seu coração e se afastar um pouco de mim, sem se entregar para esta relação. Entretanto, mesmo estando completamente sem razão e sem ter o direito de exigir algo, eu conhecia a intensidade de minha paixão e não seria capaz de estar nesta história pela metade. Ao perceber que Alice estava decidida, tomei também a minha decisão de acabar com tudo e seguir o meu caminho.
Eu não preciso dizer que antes do final do dia o arrependimento bateu em minha porta, escancarando-a de maneira tenebrosa. Acredito que você também já deve ter imaginado que era tarde demais para arrependimentos, tudo estava acabado e Alice já havia se tornado apenas uma lembrança do melhor mês que tive em minha vida.
Notas:
² "O que se pode esperar do homem, como criatura provida de tão estranhas qualidades? Podeis cobri-lo de todos os bens terrestres, afogá-lo em felicidade, de tal modo que apenas umas bolhazinhas apareçam na superfície desta, como se fosse a superfície da água; dar-lhe tal fartura, do ponto de vista econômico, que ele não tenha mais nada a fazer a não ser dormir, comer pão de ló e cuidar da continuação da história universal – pois mesmo neste caso o homem, unicamente por ingratidão e pasquinada, há de cometer alguma ignomínia. Vai arriscar até o pão de ló e desejar, intencionalmente, o absurdo mais destrutivo, o mais antieconômico, apenas para acrescentar a toda esta sensatez positiva o seu elemento fantástico e destrutivo." - Trecho do livro "Memórias do subsolo" escrito por Fiódor Dostoiévski.
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Um mês
RomanceNeste conto, o protagonista narra como conheceu Alice, uma de suas maiores paixões. O título revela a duração desta história que, apesar de curta, é capaz de encantar e emocionar qualquer um que esteja de coração aberto. Ao relatar este amor vivido...