Capítulo Único - O vermelho e o negro

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"[...] Lá estavam os três filhos registrados na árvore, os filhos de Joseph e Mary Randall. Eu os vira inúmeras vezes; o mais velho, William; o segundo, Jonathan; e o terceiro, Alexander.", A viajante do tempo, página 613.

*

Quando a lâmina gélida da espada do inimigo atingiu um ponto específico do seu abdômen, Jack Randall soube que esse seria o seu fim. Em breve, ele seria expulso da vida assim como seu irmão.

Uma dor lancinante se espalhou pelo seu corpo. Ele gemeu. Parte do seu casaco vermelho adquiriu uma tonalidade negra em decorrência do sangue abundante que jorrou da chaga aberta. Ele quis se render. Quis largar a espada e encerrar a luta. Porém, ele suportou a dor e continuou.

Com a espada em punho, Jack Randall avançou rumo ao inimigo de cabelos de fogo no intuito de tirar-lhe a vida. Não havia outro jeito. Tinha de ser assim. Esse era o destino dos dois.

A verdade era que as duas figuras que duelavam estavam exaustas demais para continuar lutando. Entretanto, elas não ousavam parar. Era impossível dar um fim àquela dança mortal. Era como se estivessem sob a influência de alguma divindade macabra que os controlava como se fossem marionetes.

Os pagãos diziam que as filhas da Discórdia, a quem os romanos batizaram de as Fúrias, sobrevoavam os campos de batalha, alimentando nos mortais o desejo pela carnificina. Será que essas entidades sinistras tinham saído das entranhas da terra e estavam ali em Culloden?

Jack tentou golpear seu inimigo, James Alexander Mackenzie Fraser, mas ele conseguiu se esquivar, fazendo a lâmina cortar o ar.

James Alexander. O segundo nome do escocês era o mesmo do seu irmão, Alexander. Essa era a única semelhança que existia entre os dois.

A constituição física de Alexander era frágil e mirrada e ele trazia dentro de si a doçura dos lírios do campo. Sempre foi assim. Alexander era sereno, ingênuo, inocente. Jamie, no entanto, era um guerreiro nórdico. Naquele momento, os cabelos rubros do jovem cobriam o seu rosto salpicado de sangue como um banho de fogo. A imagem de Jamie ferido e colérico era o suficiente para despertar em Jack um desejo insano e bestial.

Ele perdera a conta de quantas vezes tocou-se revivendo os acontecimentos de Wentworth.

O corpo poderoso de Fraser subjugado. O choro sôfrego. O aroma de suor e sangue. A aspereza dos pelos da coxa dele. As lembranças do ocorrido eram o bastante para levar Jack Randall a loucura. Pensar que Jamie Fraser, ainda que temporariamente, esteve sob o seu poder era o bastante para fazê-lo delirar de excitação.

Isso, é claro, quando o prazer físico era possível de ser alcançado. Agora que não era mais, restava a Randall se contentar com a verdade que ninguém jamais poderia alterar: Jamie foi seu em Wentworth. Isso ninguém lhe tiraria. Nem mesmo a morte.

Naquela batalha, Jamie estava mais bonito do que nunca. Havia algo de feérico nele. Os olhos do escocês pareciam consumidos por uma tempestade gélida e violenta. Ele parecia uma fera indomável.

Jack Randall não tinha um bom pressentimento em relação a essa batalha. Por isso, permitiu-se admirar a beleza de Jamie. Não faltava muito para ele sucumbir. O homem já não aguentava mais ficar de pé. Sua visão estava turva; seus passos, trôpegos. O mesmo ocorria com Jamie. Ambos estavam exaustos.

De repente, Randall sentiu uma terrível necessidade de tocar Jamie. Precisava sentir o calor do corpo dele uma última vez. Talvez essa fosse a única forma de partir em paz. Será que ele compreendia isso? Jack não sabia.

Ainda segurando a espada, Randall aproximou-se do escocês. Ele estendeu debilmente a mão livre na direção do homem ruivo. Precisava tocá-lo. Meu Deus, como queria.

Os demônios de Jack RandallOnde histórias criam vida. Descubra agora