A carta

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Certo dia o carteiro, após longas horas de trabalho, vê diante de si um pacote e uma carta sem destinatário nem remetente, não estava selada também. Achando aquilo muito esquisito levou até a sala do diretor e comunicou o fato. Poderia ser um atentado, como o caso do Anthrax, ou uma bomba, mas poderia ser que a pessoa simplesmente não soubesse como enviar um pacote. Tudo era possível, isso ele aprendeu ao longo dos anos de trabalho na agência. Pegou o embrulho juntamente com o envelope nele colado e entregou ao seu superior que, com a carta em mãos, pôs-se a examiná-la. Nos locais onde deveria haver as informações, havia apenas as palavras:

Destinatário: Você.
Remetente: Eu

Ficou desconfiado, mas decidiu não tomar nenhuma atitude drástica, abriria o envelope e se acontecesse algo muito diferente, chamariam o corpo de bombeiros ou a polícia. Pediu para que todos saíssem da sala e ficassem à pelo menos dez metros de distância, se fosse uma bomba ou algo que se espalhasse pelo ar, ele seria o primeiro a ser atingido, dando assim uma chance para que as outras pessoas tomassem uma atitude.

Utilizando uma tesoura, cortou vagarosamente a lateral do envelope. Olhava através da enorme vidraça a apreensão no rosto de cada um que aguardava que algo acontecesse. Pensou em chacoalhar o pacote, mas achou que não era uma boa ideia. Com uma pinça e luvas, puxou as folhas que jaziam dobradas no interior do envelope. Pousou delicadamente sobre a mesa e com a outra mão abriu as folhas. Nada de pó ou qualquer coisa parecida. Fez sinal de que estava tudo bem e que esperassem ele ler a carta, olhou novamente para a caixa de tamanho médio sobre a mesa. Estava com um pouco de medo, o ar condicionado havia sido desligado e bloqueado com folhas de isopor para evitar a propagação de qualquer coisa pelo ar. Afrouxou o nó da gravata, o calor de trinta graus naquele verão era de matar. Sentou-se à mesa e passou a ler a carta.

Olá minha querida! Divorciei-me de ti como quem se divorcia da própria alma.
Desde que bebi da fonte do amor em teus lábios, trouxe-me algo que me faz penar, a ânsia pelos encontros dos lábios numa declamação apaixonada.
A dor de te ver sair, sem esforço algum, revelando aquilo que antes era nosso segredo. Transformando cada instante de amor em medo infantil de assumi-la para o mundo, com receio de que me ridicularizassem por tua causa. Queria tê-la só para mim e mostrou-me cruelmente que tu eras de quem quisesse ser. Tive ciúmes, mas lhe perdoei por compreender que tu eras livre. Eu é quem havia me tornado teu escravo, ainda que contra a tua vontade. Dizia por aí que te amava e ouvia risos de zombaria, as pessoas não compreendiam como eu poderia amar alguém como tu, que és velha e muitas vezes se veste como se fosse nova, até moderna algumas vezes.

Por tua causa fui considerado um tolo apaixonado. Por ti sofri no fundo da minha alma as dores do parto e, a cada filho novo que me deste, até mesmo aqueles que não foram feitos por mim, que não vieram do nosso encontro de amor, mas que adotei por serem filhos de tua beleza e por me reconhecer em cada um deles. A cada novo gole de vida. A cada nova admiração e descoberta que fazia sobre ti, mais distante ficavas de mim. Não querias que descobrisse nada a teu respeito, querias apenas que eu a amasse e a aceitasse do jeito que eras; simples. Ao querer exibir-lhe como um troféu, fiz papel de ridículo.

Diante da imobilidade do diretor que estava sentado de costas para a vidraça grossa e a prova de balas — visto que a agência foi algumas vezes assaltada e justamente aquela sala guardava o cofre onde havia mercadorias e dinheiro — algumas pessoas começaram a confabular o que haveria ter acontecido. Ele deve estar inconsciente diziam alguns. Será que morreu? Perguntavam-se outros.

— Vou até lá ver como ele está — decidiu um funcionário.

— Não! — alertou um segundo sujeito ao primeiro — E se for algo no ar, você também morrerá ou seja lá o que deve ter acontecido a ele irá te afetar também.

Contos que não valem um contoOnde histórias criam vida. Descubra agora