Capítulo 2 - Joseph

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A água do banho é congelante, depois de 3 minutos debaixo do chuveiro tenho que sair correndo para não pegar meu terceiro resfriado no mês. Me olho no velho espelho do banheiro por alguns minutos, é louco pensar a situação que estou. 19 anos, poderia estar fazendo faculdade, casando, talvez VIVENDO, mas não, essa obsessão anti-natural acabou por destruir minha vida. As olheiras crescem cada vez mais, o cabelo e a barba loira começa a crescer, o que significa que vou precisar tirá-los daqui pouco tempo. Nunca estive tão magro, as costelas começam a saltar na pele, resultado dos diversos jejuns que tenho feito. Viro de costas, as longas cicatrizes não vão se recuperar tão cedo, era como se uma garra tivesse descido fazendo rasgos verticais nas minhas costas, nos braços as marcas são mais curtas, cicatrizes feitas em uma noite passada à luz de velas e preces, lutando contra as vontades carnais, usando navalhas.

- Frei Joseph, está tudo bem? 

Me assustei com a voz do padre Augusto vinda da porta de madeira.

- Está... Já estou saindo, padre!

Coloquei as vestes rapidamente, elas estavam longe de ser bonitas, o tecido era bem áspero, marrom, uma corda servia de cinto amarrado a cintura, um pequeno chapéu que parecia um coco cortado pela metade era obrigatório, tinha uma cruz desenhada, por fim um terço com um crucifixo de madeira de uns três dedos de tamanho também devia ser sempre usada.

Saí do banheiro, o convento estava escuro, algumas velas e a luz das janelas iluminavam o corredor, eu tentava andar com cuidado, as poças de água se multiplicavam por causa da tempestade. O sussurrar de preces de frades e freiras aumentavam quando passava na frente da porta de alguma das celas. Abri a porta do meu quarto que é minúsculo ao extremo, acendi um candelabro, a cama dura ficava encostada na parede do fundo, à direita, diversos quadros de santo estão presos, uma pequena janela no alto da parede da cama deixava a água entrar molhando o colchão. Levanto ele, lá está a única coisa que consegui levar para cá, uma foto da minha família tirada a seis anos, quando tudo ainda não tinha dado errado.

Meu pai e minha mãe estão abraçados, os cabelos loiros de ambos se misturando, eu estou na frente usando uma camisa xadrez vermelha. Olho a imagem mais tempo do que devia, as lembranças começam a voltar, eles nunca iriam imaginar que no mesmo dia da foto eu tinha beijado um garoto. 


Lembro como se fosse ontem, ele se chamava Leonardo e tinha 14 anos, cabelo preto liso, franja e óculos quadrados, bem nerd, olhos verdes bonitos. Estávamos fazendo um trabalho de matemática, na verdade, eu estava fazendo o trabalho de matemática, ele estava só jogando no celular. Comecei a me estressar, esse não ia ser mais um trabalho que eu iria ser o único trouxa que se importaria em fazer.

- Leo! - chamei, ele me ignorou - LEONARDO!!

- QUE FOI, CACETE!

- Me ajuda aqui, o trabalho é pra ser feito em grupo!

- Me faz ajudar, então!

Ele sabia testar minha paciência. Fui até o roteador e puxei o fio da tomada. Ouvi um grito de frustação vindo do meu quarto.

- AH, VOCÊ ME PAGA IDIOTA!

Ele quis vir pra cima de mim, a única coisa era que ele era uns 20 centímetros mais baixo que eu, peguei ele pela gola da camisa e o empurrei contra a parede, cheguei perto dele.

- Vai encarar mesmo? - disse lentamente.

Ele chegou mais perto, a tensão no ar ficou diferente e percebi que as bochechas dele ficaram vermelhas. Senti meu coração bater mais forte, ele pôs uma das mãos no meu cabelo. Quando menos esperava nossos lábios se tocaram. Levei algum tempo para raciocinar tudo aquilo, estávamos nos beijando. Ele pareceu se tocar disso também, arregalou os olhos e puxou minha cabeça para trás. Toquei meus lábios, meu primeiro beijo tinha sido com um menino.

- D- Desculpa, eu vou indo!

Ele saiu me deixando mais confuso ainda, mas... naquele momento alguma coisa tinha acontecido no meu coração, disso eu sabia.


Agora, tudo isso são memórias, minha família é católica ultraconservadora, me lembro de sentar na mesa de jantar e muitas vezes ouvir meus pais dizerem que prefeririam um filho morto que gay. Por isso, eu não iria ser gay, tão pouco me matar, eu não iria cometer essa traição com minha família, quando completei 18 anos entrei num convento, loucura pra muitos, mas ninguém nunca realmente gostou de mim, sempre fui sozinho, aqui pelo menos seria o mesmo só que evitando o pecado que me persegue, pelo menos era o que eu esperava. Mas o espinho na carne persiste, já tentei de tudo mas ainda vou me livrar desses pensamentos, ainda vou, espero...

Volto às minhas orações, me ajoelho e ponho uma imagem de São Guedes do Faro na minha frente, começo com alguns Pai Nosso e Ave Maria, mas depois começo a entrar em desespero. Eu troquei tudo em nome da santidade, por que não via efeito? Por que aquela homossexualidade não me deixava? As lágrimas começam a escorrer, começo a gritar e chorar em alta voz, meus sons sendo abafados pela tempestade cada vez mais intensa lá fora. Pego a imagem, olho nos olhos daquele santo.

- Socorre-me, se tu estás no céus intercede por mim, SOCORRE-ME!

Os dias tem se tornado cada vez mais difíceis.

Eu só preciso de algum socorro nesta vida.


Acordo no chão duro, acabei dormindo no mesmo lugar que deitei ontem, me levanto, a chuva parou e algumas gotas pingam na janela. É o último dia do meu jejum, vou para o refeitório, a comida é a mesma, pão duro e leite. Vindo do nada, o padre Augusto senta-se do meu lado.

- Frei Joseph.

- PADRE, mil perdões, não percebi o senhor!

- Não tem importância, todavia devo informa-lo que o senhor perdeu a missa de hoje.

Olho para o velho relógio do outro lado do espaço, 11:00, levou um susto, não tinha conseguido acordar a tempo.

- Eu sinto muito, vossa reverência... Prometo que não irá se repetir - digo envergonhado

- Assim espero, - ele diz com um rosto sério - de qualquer forma, hoje às 3 da tarde um grupo de estudantes do Colégio virão aqui fazer uma visita, o senhor ficará responsável por guia-los, sabe que só pode passar pela parte histórica do prédio, correto?

- Sim, padre.

- Muito bem, esteja sem atrasos na entrada principal no horário que falei. Talvez façam algumas perguntas sobre a história de nossa ordem, mas creio que você já sabe disso tudo muito corretamente.

- Obrigado pela confiança, senhor.

O padre sai, sussurrando algo que não entendo direito, mas ouço uma palavra: irresponsável. Engulo em seco e volto para minha cela, o quadro de São Guedes continua no chão. Volto ele para o seu lugar na parede e faço minhas preces diárias. Depois das orações, me viro e faço como já fiz milhares de vezes, fico minutos e minutos contemplando aquela janela quadrada, a luz do sol entrando por meio das três varas de ferro que servem como grade. O sol é o único sinal de liberdade aqui, uma liberdade que se tenta isolar a todo custo, mas ela sempre arranja um jeito de entrar mesmo que escondida no meio de tanta repressão e opressão. Os homens sempre arranjam amor em meio a dor, eu encontrarei o meu na igreja, assim eu espero.

 Os homens sempre arranjam amor em meio a dor, eu encontrarei o meu na igreja, assim eu espero

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⏰ Última atualização: Nov 23, 2022 ⏰

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